Página dedicada a mi madre, julio de 2020

Hélia Correia

Vinte degraus e outros contos

2014

 

 

 

 

Vinte degraus

Eram precisos vinte metros para matar. Dando tempo à pessoa para ter a sua dança, como o enforcado. Para perder os olhos na descida, não vendo o matador que se debruça.

A mulher repetia e repetia, com a espuma nos lábios. A secura.

Ninguém a queria ouvir. Ela falava sobre uma ponte mentirosa, a sua ponte que convidava para o suicídio e deixava o trabalho inacabado. Ela atirara-se, a mulher, caíra sobre as pedras agudas. Depois ficara horas a gritar. “Não tinha vinte metros, a maldita”, dizia. E já dizia aquilo a rir. O amor aconselhara-a a morrer e afinal as coisas do amor não são mais importantes que uma cobra. Assustam e, a seguir, desaparecem.

Os ossos tinham-se colado novamente, os grandes e os pequenos, tudo em ordem. Excepto no pé esquerdo que ficara virado para trás. O buraco na testa de onde o sangue corria tanto que lhe entrava pela boca, como se ele próprio lamentasse o desperdício, esse gerara a sua substância muito particular. Nem pele nem carne. Um remoinho branco e gorduroso, como uma flor de cera a encimar a escuridão da face.

Ela nascera para lá dos montes, onde as mulheres começavam a ser feias. As do lado do mar sorviam toda a luz que Deus tornara disponível, recobriam os olhos e a cabeça com o azul e o ouro dessa luz. A mulher tinha o nome de Rosa e agarrava-se à beleza do nome, tão amável, tão feito de veludos e cetim. Ela ia saltitando pelo caminho, castanha entre o castanho da paisagem, com a enxada ao ombro. Cultivava como podia as terras da avó. Saltitava com as botas distorcidas, com as meias calçadas, ao calor. Era um grande coelho, pardo e só. Depois, passou o homem na carrinha.

Oh, era um homem que brilhava. E todos confundiram o brilho com bondade. Mesmo a avó de Rosa. Com as unhas, tirava som do maço de notas que ele lhe dera. E as rugas da alegria cavalgavam as rugas da tristeza sem lhe modificarem muito o rosto. Na verdade, sonhara com dinheiro a vida inteira, não sonhara com a neta. Sabiam bem o que valiam uma e outro.

 

A bondade do homem que brilhava, sendo ilusória, ainda assim permaneceu na sua superfície muito tempo. Ele usava pulseiras e correntes e brilhantina e sapatos de verniz. Rosa espreitava pela janela da carrinha e absorvia aquela velocidade, o cérebro acendia-se e apagava-se a ponto de, no fim do dia, ter sofrido uma completa modificação. Quando entrou no seu quarto de dormir numa pensão de estrada, preparou-se para que o homem a despisse e usasse. Mas o homem deitou-se ao lado dela, com o seu tilintar e o seu cheiro, e adormeceu imediatamente. Era um homem bondoso, pensou Rosa. Levava-a para criada de servir. De manhã perguntou-lhe o nome. Havia bolor na geleia do pequeño-almoço. Chama-me o que quiseres, chama-me pai, disse ele. Não tinha idade para isso.

 

 

Quando chegaram à cidade, Rosa encolheu-se pela primeira vez. Não por temer as intenções do pai mas porque não se divisava um horizonte. Tentava ver algum princípio e algum fim mas nem se apercebera da entrada. Distraíra-se com a súbita paragem de muitos carros num vazio de mato e canas, com o largo alcatrão como um rio morto. No momento seguinte, já não tinha distância alguma onde deitar a vista. Começou a tremer. Depois viraram para dentro de um pátio. Isto é Lisboa, adiantou o pai. E pegou-lhe no saco e apeou-a. Não há vento em Lisboa, pensou Rosa. Nada daquilo que respeitasse ao ar podia passar entre os altos prédios. Então, olhou para cima, para o céu. Mas desequilibrou-se e desistiu. O pai puxou-a com doçura pelo braço.

 

Atingiu-a o vapor dos cozinhados ainda antes de a porta abrir passagem. Aquele vapor surpreendia-lhe a garganta, deu-lhe vontade de pigarrear. “Eram lá esses truques africanos, nunca me consegui habituar”, comentava a mulher. E ria. Ria. Com esse riso, conquistara todos os clientes da casa. E as colegas. A surda-muda, a cabeluda, a anã. E outras que não se demoravam muito tempo, que revelavam qualidades de ambição e que pediam à porteira que lhes fosse a uma cave da Baixa comprar pós. Sabiam pôr os homens a chorar, copiavam as listas lamentosas dos programas dos bispos evangélicos. Então eles choravam e bebiam, depois voltavam para as levar com eles. As zarolhas usavam esse truque com uma taxa de êxito notável. Não se diria que casavam ricas mas, pelo menos, casavam com alguém. Ganhavam um armário só para elas. Curiosamente, o pai não se zangava. Mantinha mesmo relações cordiais com as mulheres que, para todos os efeitos, tinham traído a sua confiança. Muitas vezes pedia-lhes conselhos. A Rosa, não. E, no entanto, Rosa nunca dera bebida a ninguém.

Ela contava: “Os quartos eram noutro andar. Um corrupio no elevador.” Mas as vizinhas não diziam nada. Nem sequer os maridos das vizinhas. Pois já ninguém se achava muito certo sobre que espécie de comportamentos devia ou não devia tolerar-se.

 

Éramos todas aleijadas, sabe?”, dizia Rosa. Mas falava para si própria. “As aleijadas fazem boas fêmeas. O pai ganhava um dinheirão com a gente. Tanto que se mudou para um bairro novo.”

*

 

Rosa gostara muito dessa vida. As colegas tentavam compensar a falta de harmonia dos sus corpos recorrendo a formatos de deferência que se pareciam com educação. Quando se impunha uma disputa, elas dançavam, evoluíam nos seus membros monstruosos como fazem as aves, ao lutar. Mas eram, normalmente, generosas. E mediam as forças com cuidado. Poupavam tudo, a energia e os cêntimos. Porque dificilmente acreditavam no seu sucesso como coisas sexuais. E os adeuses delas aos clientes impressionavam pela sinceridade, assemelhavam-se aos adeuses do namoro, tão penetrados de melancolia. E, para além do gosto peculiar que os levava a buscar imperfeições, os homens eram como que chamados pelo ambiente de delicadeza em que até mesmo os altos palavrões levavam dentro algum murmúrio maternal.

Rosa era a menos meiga delas todas porque não precisava, tinha as suas competências maiores. “Tu és o sal e a pimenta”, disse o pai. As companheiras estavam gratas porque Rosa aceitava cenários complicados e as dispensava, assim, de os aceitar. Conheciam apenas a cidade. Se chegavam das vilas, continuavam a conhecer apenas a cidade, isto é, apenas casas e empedrado. Repugnavam-lhes certas porcarias. Rosa entrara descalça nos currais, deitara a mão ao interior das cabras para lhes arrancar os filhos mortos. Não se importava com a viscosidade, com a decomposição ou a acidez. E a pele, tão dura, resistia bem a beliscões e a sevícias mais grosseiras. “Tu és o sal”, dizia o pai. “E a pimenta.” Mas o que havia em Rosa era a tendência para se aborrecer rapidamente. Com as variantes, não se aborrecia.

 

Os negócios do pai corriam bem. Na verdade, corriam bem de mais. Atraíram algumas atenções. Foi convidado para se tornar sócio do seu próprio bordel. Com o insulto, quase que se sentiu adoecer. A anã Lúcia começou a chorar muito, ainda antes de ele falar do ultimato. Queixava-se das brutas injustiças que esperavam pelos pobres nesta terra. Estava a um passo de tornar-se comunista mas deslocou as atenções para a Bíblia. Logo a seguir, o prédio incendiou-se.

Era um prédio em que havia vigilância mas que tinha, no entanto, pontos fracos. Tudo necessitava de equilíbrio e um excesso de olhar prejudicava. Mas, pelas fendas do olhar a menos, entrou o fogo. E, se ninguém morreu, morreu ali o ânimo do pai. Ninguêm o conseguia consolar.

Viviam na pensão, como estrangeiros fugidos de uma guerra. Todas pensavam que era apenas uma crise. O orgulho do pai falava, às vezes, e ele ansiava pela revolução. “Liberdade onde e para quem?”, exclamava. “Estamos num filme americano, é isso.” Sentava-se na cama, rodeado das suas protegidas, uma anã, uma com ferida exposta numa perna, outra com barbatanas entre os dedos e Rosa, a coxa. Ele tinha envelhecido. Regressava sem os fios de ouro, sem pulseira, sem relógio. E, em lugar de mostrar-se aliviado pela falta de peso, recurvava. Não perdera somente os seus objectos. Perdera os clientes e os amigos. Estava num filme americano e cada esquina revelava uma sombra de assassino. Iam matá-lo e apoderar-se das meninas. O pai distribuiu até ao último cêntimo que guardava pelas quatro, disse: “Há sempre um duelo” e não voltou.

 

Rosa e a das barbatanas instalaram-se num quarto para pagarem renda a meias. Mas a das barbatanas estava muito longe de ser uma mulher tranquila. Rosa tão-pouco se sentia satisfeita. A senhoria, que sofria de remorsos, incómoda e prestável como sempre sucede nesse género de pessoas, arranjou-lhe papéis para a caridade. “Não, não é isso que se chama”, esclarecia. Mas o nome real era esquisito e, de qualquer maneira, disse Rosa, o mundo não mudava tanto assim. “É uma obrigação do Estado agora”, adiantou a senhoria. E a importância da sua diligência diminuiu. “O Estado até nos fica agradecido”, disse ela ainda, para remediar.

 

II

Pagam aos pobres para gostarem de ser pobres”, dizia Rosa, essa mulher. E ria. Passava as tardes na entrada para o Metro. Estando num filme americano, não podia almejar as estações mais concorridas. Não eram livres, os pedintes, de escolher. Tinham as suas organizações. A grande mão pegava em cada um, depositava-o no seu sítio, recolhia-o. Alguns cantavam ou choravam, os dotados. A percentagem compensava mais. Quem quisesse ganhar a sua vida, olhava bem e via um mapa militar. Uma rede de guerra, bem estendida. Os campos ocupados, porventura os seus mortos e feridos. Assuntos muito territoriais. Ficavam só uns lugares fora de controlo, respiradouros para mendigos leves pelos quais todos passavam sem olhar. Numa dessas escadas, estava Rosa. Quatro degraus abaixo, estava o cego.

O cego precisava de dinheiro, a mulher não. Mas queria distrair-se. A colega de cama, a que exibia barbatanas rosadas, saíra um dia e não voltara mais. Passava muito mal com o tempo seco e tomava os seus duches clandestinos em quantidade não prevista no aluguer. A senhoria era bastante original, uma pessoa magra com tormentos. Mas aquele gasto de água exasperava-a. Levava-a de regresso à sua classe. Vigiava, o que é normal nas senhorias. Insultava baixinho a sua hóspede, farejava-lhe o rasto. E acabou por fechar tudo à chave. Isso obrigava-as a pedirem para ir à sanita. A rapariga com as barbatanas ia perdendo a gentileza do bordel. Abanava com as mãos, formando leque. E batia com as portas, disparava obscenidades pelo corredor. Virou-se finalmente contra Rosa. “Nem para te matares serves!”, acusava. Deixava a crueldade crescer nela e a certa altura não cabia já no quarto. A raiva transformava-a num gigante. Expulsava a amiga a pontapés, da cama. “Endoideceu com o calor”, explicava Rosa. A senhoria futurava uma catástrofe, algo de que seria responsável e que acrescentaria outro fantasma às suas noites tão inquietas já.

De facto, a rapariga não voltou, certa manhã de Julho. Rosa andava a embater nos móveis com o pé torto, numa euforia de conquistador. A senhoria absteve-se de arranjar outra pessoa para partilhar a cama. Ao mesmo tempo que se ouvia respirar a largos haustos, como em campo aberto, Rosa sentiu perfeitamente o tédio entrar, silencioso, pela janela.

Preciso de ar”, explicou à senhoria. E foi mostrar a perna para o Metro. Não porque precisasse de dinheiro. Comia sopas de café. Não era velha, mas adoptava os alimentos da velhice que lhe bastavam, com as colheres de açúcar. A esmola do governo não faltava e poupava-a a mais apreensões. Mas a tranquilidade aborrecia-a. Por isso colorira tão bem o seu trabalho, com desempenho que as colegas nem sonhavam. Por isso olhava para o tecto, a suspirar. Depois pegou na lata das bolachas que já estava vazia e foi para o Metro. Punha o pé e a lata em evidência.

 

 

Quatro degraus abaixo, o cego erguia o pequeño focinho para captar toda a informação que conseguisse. Pois era realmente um cego a sério que tinha de prestar contas à mãe. O calor e o frio atravessavam-no, perfurando-lhe a roupa como balas. E ele erguia a sua voz potente, uma voz indignada que seguia atrás dos transeuntes, escorraçando-os. As crianças gritavam e ninguém parava para tirar uma moeda. “É no que dá manter a independência”, dizia o cego. Ao pressentir uma rival, aumentou o seu tom injurioso. Rosa falava sobre a ponte. Os passageiros, para fugirem do cego, não passavam ao lado dela com o ritmo devido. Aceleravam mais e murmuravam contra a chuva e o sol. Rosa não queria que lhe dessem nada. Queria somente um pouco de demora. Atirava com a história e ela caía sobre as arestas dos degraus, magoada. Abandonada como fora a sua dona.

 

“Se teimas em sair, leva a bengala”, mandou a senhoria. Não desistia nunca de intervir. O cego interessou-se pelo som novo. O toque da bengala no cimento. “Qual é o seu padecimento?”, perguntou. Queria dizer: Qual é o seu pretexto? Pensou: Que utilidade tem para mim?

Veja quem me dá tampas de garrafa”, pediu. “Quando ele voltar a passar, diga”.

E que ganho eu em troca?”

O que é que quer?”

Quero que você ouça o que eu contar”, propôs a mulher, Rosa.

 

E então, falava. Falava longamente sobre a ponte. Sobre as pontes mais baixas, carinhosas, pontes de musgo que embalavam os passantes. E sobre as outras, tão acima que avisavam os próprios aviões da sua altura. Mas na ponte de Rosa não havia qualquer linguagem, só maldade absoluta. Ainda assim, ficava agradecida. “As pontes são passagens do diabo. Servem para baptizar os filhos dele”, elucidou o cego.

Não esteja a desculpá-lo.”

A quem?”

A Deus.”

Deus escolhia os acidentes. E as doenças. Vendia o fósforo e a gasolina que tinham destruído o seu bordel.

É porque Deus não gosta de vergonhas. Nem de aleijados.”, considerou o cego.

Nem de si.”

Nem de mim.”

E riam. Riam.

 

Dias depois, o cego perguntou: “Como é que Ele faz a escolha?” Adquirira um certo jeito para filosofar. “Sim, como é que Deus escolhe quem aleija?”

Escolhe só porque se sente enfastiado”, respondeu Rosa. Estava iluminada pois finalmente percebia Deus: tentava tudo para se entreter. “Sabe você quantos degraus tem esta escada? Tem mais ou menos vinte. Eu já contei. Para passar o tempo. Assim faz Deus. Já contou tudo o que há no mundo.”

“E chateado. E, se calhar, nem dorme”, disse o cego.

«Talvez de quando em quando se espreguice e estenda uma bengala, de maneira que alguém tropece e caia até lá abaixo.”

Alguém que tenha dado esmola falsa”, adiantou o cego, vingativo.

Oh, não, nem sequer isso, pensou Rosa. Deus não precisa de razões para atirar alguém por estes vinte degraus duros. É por isso que é Deus.

 

Então o cego ouviu os gritos e o estoirar de um crânio e a sua caixa de dinheiro que rolava. “Ela fez de propósito com a bengala!”, diziam as pessoas. As pancadas que elas davam em Rosa ecoavam e iam doer no coração do cego. “Estão a bater em Deus”, clamava ele. Porém, não lhe prestaram atenção.

Veinte escalones y otros cuentos

Versión 2015

Texto original y versión española publicados 
con la autorización de la autora
.
 El texto  reproduce el de la edición 
Vinte degraus e outros contos, Relógio D´Água Editores, 2014, pp. 9-17.

 

 

Veinte escalones

Se necesitaban veinte metros para matar. Dándole tiempo a la persona para tener su propio baile, como a un ahorcado. Para perder los ojos en el descenso, sin ver al asesino que se inclina.

La mujer repetía y repetía, con espuma en los labios. La frialdad.

Nadie quería oírla. Ella hablaba sobre un puente mentiroso, su puente que invitaba al suicidio y dejaba el trabajo sin terminar. Ella, la mujer, se había tirado, había caído sobre las piedras agudas. Después se había quedado horas gritando. “Maldito, que no tenía veinte metros”, decía. Y ahora decía eso riendo. El amor le había aconsejado la muerte, y al final, las cosas del amor no son más importantes que una culebra. Asustan y, luego, desaparecen.

Los huesos se le habían pegado de nuevo, los grandes y los pequeños, todo en orden. Excepto el pie izquierdo, que se le había quedado girado para atrás. Un agujero en la cabeza del que corría tanta sangre, que le entraba en la boca, como si ella misma lamentara el derroche, produjo una sustancia suya muy particular. Ni piel ni carne. Un remolino blanco y grasiento, como una flor de cera que coronara la oscuridad de su cara.

Ella había nacido al otro lado de los montes, donde las mujeres comenzaban a ser feas. Las del lado del mar sorbían toda la luz que Dios había dispuesto, se cubrían los ojos y la cabeza con el azul y el oro de esa luz. La mujer se llamaba Rosa y se agarraba a la belleza de su nombre, tan gentil, tan hecho de terciopelos y satén. Ella iba dando saltos por el camino, castaña en el paisaje castaño, con la azada al hombro. Cultivaba como podía las tierras de la abuela. Iba saltando con las botas torcidas, con las medias puestas, bajo el calor. Era un gran conejo, pardo y solo. Después, pasó el hombre en la furgoneta.

Oh, era un hombre que brillaba. Y todos confundieron el brillo con la bondad. Incluso la abuela de Rosa. Con las uñas, hacía que sonara el fajo de billetes que él le había dado. Y las arrugas de alegría subían por encima de las arrugas de tristeza sin cambiarle mucho la cara. En verdad, había soñado con el dinero toda la vida, no había soñado con la nieta. Sabían bien lo que valían la una y el otro.

La bondad del hombre que brillaba, aun siendo ilusoria, permaneció en su superficie mucho tiempo. Él usaba pulseras y cadenas y brillantina y zapatos de charol. Rosa miraba por la ventanilla de la furgoneta y absorbía aquella velocidad, el cerebro se le encendía y se le apagaba, hasta el punto de sufrir, al final del día, una completa transformación. Cuando entró en su habitación en una pensión de la carretera, se preparó para que el hombre la desnudara y la usara. Pero el hombre se echó a su lado, con su tintineo y su olor, y se durmió inmediatamente. Era un hombre bondadoso, pensó Rosa. La llevaba como criada. Por la mañana le preguntó el nombre. Había moho en la jalea del desayuno. Llámame como quieras, llámame padre, dijo él. No tenía edad para eso.

 

Cuando llegaron a la ciudad, Rosa se encogió por primera vez. No por temor a las intenciones del padre, sino porque no se divisaba ningún horizonte. Intentaba ver algún principio y algún final, pero ni de la entrada se había dado cuenta. Se había distraído con la súbita parada de muchos coches en un descampado de matorral y cañas, con el ancho alquitrán como un río muerto. Inmediatamente después, ya no tenía distancia alguna donde echar la vista. Comenzó a temblar. Después giraron hacia el interior de un patio. Esto es Lisboa, adelantó el padre. Y le cogió el bolso y la apeó. No hay viento en Lisboa, pensó Rosa. Nada de aquello que se refiriera al aire podía pasar entre los altos edificios. Entonces, miró hacia arriba, hacia el cielo. Pero se desequilibró y desistió. El padre la arrastró con dulzura por el brazo.

 

Le llegó el vapor de las comidas incluso antes de que la puerta se abriera al paso. Ese vapor le sorprendía la garganta, deseó carraspear. “Estaban allí esos trucos africanos, nunca conseguí habituarme”, comentaba la mujer. Y reía. Reía. Con esa risa, conquistó a todos los clientes de la casa. Y a las compañeras. La sordomuda, la peluda, la enana. Y otras que no se demoraban mucho tiempo, que revelaban cualidades de ambición y que le pedían a la portera que les fuera a un sótano de la Baixa a comprarles polvos. Sabían hacer llorar a los hombres, copiaban las listas de lamentos de los programas de los obispos evangélicos. Entonces, ellos lloraban y bebían, después volvían para llevárselas. Las bizcas usaban ese truco con una tasa de éxito notable. No se diría que se casaban ricas, mas, por lo menos, se casaban con alguien. Ganaban un armario solo para ellas. Curiosamente, el padre no se enfadaba. Mantenía incluso relaciones cordiales con las mujeres que, para todos los efectos, habían traicionado su confianza. Muchas veces les pedía consejos. A Rosa, no. Y, entretanto, Rosa nunca le había dado de beber a nadie.

Ella contaba: “Los cuartos estaban en otro piso. Un ajetreo en el ascensor.” Pero las vecinas no decían nada. Ni siquiera los maridos de las vecinas. Pues ya nadie se sentía muy seguro sobre qué especie de comportamientos debía o no debía tolerarse.

 

Todas éramos lisiadas, ¿sabe?”, decía Rosa. Pero hablaba para ella misma. “Las lisiadas son buenas hembras. El padre ganaba un dineral con la gente. Tanto, que se mudó a un barrio nuevo.”

*

A Rosa le había gustado mucho esa vida. Las compañeras intentaban compensar la falta de armonía de sus cuerpos recurriendo a formas de deferencia que se parecían a la educación. Cuando se imponía una disputa, bailaban, movían sus miembros monstruosos como hacen las aves al luchar. Pero eran, normalmente, generosas. Y medían las fuerzas con cuidado, ahorraban todo, la energía y los céntimos. Porque difícilmente creían en su éxito como cosas sexuales. Y sus despedidas de los clientes impresionaban por la sinceridad, pareciéndose a las despedidas del amor, tan penetradas de melancolía. Y, más allá del gusto peculiar que los llevaba a buscar imperfecciones, los hombres eran como llamados por el ambiente de delicadeza en que hasta las altas palabrotas llevaban dentro algún murmullo materno.

Rosa era la menos cariñosa de todas ellas, porque no lo necesitaba, tenía otras cualidades mayores. “Tú eres la sal y la pimienta”, dijo el padre. Las compañeras le estaban agradecidas porque Rosa aceptaba escenarios complicados y las dispensaba, así, de tener que aceptarlos. Conocían mal la ciudad. Si llegaban de los pueblos, continuaban conociendo mal la ciudad, esto es, mal casas y empedrado. Les repugnaban ciertas porquerías. Rosa había entrado descalza en los corrales, había metido la mano en el vientre de las cabras para sacarles los hijos muertos. No le importaba la viscosidad, ni la descomposición, ni la acidez. Y su piel, tan dura, resistía bien a heridas y abusos más groseros. “Tú eres la sal”, decía el padre. “Y la pimienta.” Pero lo que había en Rosa era una tendencia a aburrirse rápidamente. Con las variaciones, no se aburría.

 

Los negocios del padre iban bien. En verdad, iban demasiado bien. Se habían atraído ciertas atenciones. Se le invitó a hacerse socio de su propio burdel. Con el insulto, casi sintió que enfermaba. La enana Lúcia comenzó a llorar mucho, incluso antes de que él hablara del ultimátum. Se quejaba de las grandes injusticias que les esperaban a los pobres de esta tierra. Estaba a un paso de hacerse comunista, pero desvió la atención hacia la Biblia. Inmediatamente después, el edificio se incendió.

Era un edificio en el que había vigilancia, pero tenía, entretanto, puntos flacos. Todo necesitaba equilibrio, y un exceso de miradas perjudicaba. Pero, por las grietas de la mirada de menos, entró el fuego. Y, si nadie murió, murió allí mismo el ánimo del padre. Nadie conseguía consolarlo.

Vivían en la pensión, como extranjeros huidos de una guerra. Todas pensaban que era solo una crisis. El orgullo del padre hablaba, a veces, y él ansiaba la revolución. “Libertad, ¿dónde y para quién?”, exclamaba. “Estamos en una película americana, eso es.” Se sentaba en la cama, rodeado de sus protegidas, una enana, una con una herida visible en una pierna, otra con membranas entre los dedos, y Rosa, la coja. Él había envejecido. Regresaba sin las cadenas de oro, sin pulsera, sin reloj. Y, en lugar de mostrarse aliviado por la falta de peso, se encorvaba. No había perdido solo sus objetos. Había perdido a los clientes y a los amigos. Estaba en una película americana, y cada esquina revelaba una sombra de asesino. Iban a matarlo y a apoderarse de las muchachas. El padre distribuyó hasta el último céntimo que guardaba entre las cuatro, dijo: “Hay siempre un duelo”, y no volvió.

 

Rosa y la de las membranas se instalaron en un cuarto para pagar el alquiler a medias. Pero la de las membranas estaba muy lejos de ser una mujer tranquila. Rosa tampoco se sentía satisfecha. La dueña, que sufría remordimientos, incómoda y servicial, como siempre sucede en ese género de personas, le arregló los papeles de la caridad. “No, no es así como se llama”, aclaraba. Pero el nombre real era raro y, de todos modos, dijo Rosa, el mundo no cambiaba mucho por eso. “Es una obligación del Estado ahora”, adelantó la dueña. Y la importancia de su diligencia disminuyó. “El estado incluso nos está agradecido”, añadió ella, para remediarlo.

 

II

Les pagan a los pobres para que les guste ser pobres”, decía Rosa, esa mujer. Y reía. Pasaba las tardes a la entrada del metro. Estando en una película americana, no podía anhelar los puestos más concurridos. No eran libres, los pordioseros, para escoger. Tenían sus organizaciones. La gran mano cogía a cada uno, lo depositaba en su sitio, lo recogía. Algunos cantaban o lloraban, los dotados. El porcentaje compensaba más. Quien quisiera ganar su vida, miraba bien y veía un mapa militar. Una red de guerra, bien extendida. Los campos ocupados, quizás sus muertos y heridos. Asuntos muy territoriales. Quedaban solo unos lugares fuera de control, respiraderos para mendigos leves junto a los que todos pasaban sin mirar. En una de esas escaleras estaba Rosa. Cuatro escalones abajo, el ciego.

El ciego necesitaba dinero, la mujer no. Pero quería distraerse. La compañera de cama, la que mostraba membranas rosadas, había salido un día y no había vuelto. Lo pasaba muy mal con el tiempo seco y tomaba duchas clandestinas en cantidades no previstas en el alquiler. La dueña era bastante original, una persona delgada con tormentos. Pero aquel gasto de agua la exasperaba. La llevaba de vuelta a su clase. Vigilaba, lo que es normal en las dueñas. Insultaba bajito a su huésped, le olía el rastro. Y acabó por cerrarlo todo con llave. Eso las obligaba a pedir ir al servicio. La muchacha de las membranas estaba perdiendo la gentileza del burdel. Se soplaba con las manos, formando un abanico. Y golpeaba las puertas, disparaba obscenidades por el corredor. Se volvió finalmente contra Rosa. “¡No sirves ni para matarte!”, la acusaba. Dejaba que la crueldad creciera en ella, y a cierta altura ya no cabía en el cuarto. La rabia la transformaba en un gigante. Expulsaba a la amiga a puntapiés de la cama. “Enloqueció con el calor”, explicaba Rosa. La dueña presagiaba una catástrofe, algo de lo que sería responsable y que añadiría otro fantasma a sus noches ya tan inquietas.

De hecho, la muchacha no volvió cierta mañana de julio. Rosa chocaba contra los muebles con el pie torcido, en una euforia de conquistador. La dueña se abstuvo de buscar a otra persona que compartiera la cama. Al mismo tiempo que se oía su respiración de largos jadeos, como en campo abierto, Rosa sintió perfectamente que el tedio, silencioso, entraba por la ventana.

Necesito aire”, le explicó a la dueña. Y fue a mostrar la pierna al metro. No porque necesitara dinero. Comía café migado. No era vieja, pero adoptaba los alimentos de la vejez que le bastaban, con cucharitas de azúcar. La limosna del gobierno no faltaba y le ahorraba otras inquietudes. Pero la tranquilidad la aburría. Por eso había coloreado tan bien su trabajo, con una dedicación que las compañeras ni soñaban. Por eso miraba hacia el techo, suspirando. Después, cogió la lata de las galletas que ya estaba vacía y se fue al metro. Ponía el pie y la lata en evidencia.

 

Cuatro escalones abajo, el ciego levantaba el pequeño hocico para captar toda la información posible. Pues era realmente un ciego en serio que tenía que rendirle cuentas a su madre. El calor y el frío lo atravesaban, perforándole la ropa como balas. Y él levantaba su voz potente, una voz indignada que seguía detrás de los transeúntes, ahuyentándolos. Los niños gritaban y nadie se paraba a echarle una moneda. “Es lo que da mantener la independencia”, decía el ciego. Al presentir a una rival, aumentó su tono injurioso. Rosa hablaba sobre el puente. Los peatones, para huir del ciego, no pasaban por el lado de ella con el ritmo debido. Aceleraban más y murmuraban contra la lluvia y el sol. Rosa no quería que le dieran nada. Quería solo un poco de demora. Disparaba con la historia y caía sobre las aristas de los escalones, herida. Abandonada como lo fue su dama.

 

“Si temes salir, lleva el bastón”, le ordenó la dueña. No desistía nunca de intervenir. El ciego se interesó por el nuevo sonido. El toque del bastón en el cemento. “¿Cuál es su padecimiento?”, preguntó. Quería decir: ¿Cuál es su pretexto? Pensó: ¿Qué utilidad tiene para mí?

Mire quién me da tapones de botellas”, le pidió. “Cuando él vuelva a pasar, dígamelo”.

¿Y qué gano yo a cambio?”

¿Qué quiere?”

Quiero que oiga lo que yo le cuente”, propuso la mujer, Rosa.

 

Y entonces, hablaba. Hablaba largamente sobre el puente. Sobre los puentes más bajos, cariñosos, puentes de musgo que encantaban a los peatones. Y sobre los otros, tan altos, que avisaban a los propios aviones de su altura. Pero en el puente de Rosa no había lenguaje, solo maldad absoluta. Aun así, quedaba agradecida. “Los puentes son pasajes del diablo. Sirven para bautizar a sus hijos”, dilucidó el ciego.

No lo disculpe.”

¿A quién?”

A Dios.”

Dios escogía los accidentes. Las enfermedades. Vendía el fósforo y la gasolina con que habían destruido su burdel.

Es porque a Dios no le gustan las vergüenzas. Ni los lisiados”, consideró el ciego.

Ni usted le gusta.”

Ni yo.”

Y reían. Reían.

 

Días después, el ciego preguntó: “¿Cómo hace Él la elección?” Había adquirido una cierta habilidad para filosofar. “Sí, ¿cómo elige Dios a quien mutila?”

Escoge solo porque se siente hastiado”, respondió Rosa. Estaba iluminada, pues finalmente percibía a Dios: lo intentaba todo para entretenerse. “¿Sabe usted cuántos escalones tiene esta escalera? Tiene más o menos veinte. Yo ya los conté. Para pasar el tiempo. Lo mismo hace Dios. Ya contó todo lo que hay en el mundo.”

“Y enfadado. Y, quizás, ni duerme”, dijo el ciego.

Tal vez de vez en cuando se desperece y extienda un bastón, de modo que alguien tropiece y caiga hasta allá abajo.”

Alguien que haya dado limosna falsa”, adelantó el ciego, vengativo.

Oh, no, ni siquiera eso, pensó Rosa. Dios no necesitaba razones para tirar a alguien por estos veinte escalones duros. Es por eso por lo que es Dios.

 

Entonces, el ciego oyó los gritos y el estallido de un cráneo y su caja de dinero rodando. “¡Ella lo ha hecho a propósito con el bastón!”, decían las personas. Las patadas que le daban a Rosa retumbaban y le dolían al ciego en el corazón. “Están golpeando a Dios”, clamaba él. Sin embargo, no le prestaron atención.

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