Página dedicada a mi madre, julio de 2020

Maria Judite de Carvalho

Seta despedida: George

1995

 

 

 

Andam lentamente, mais do que se pode, como quem luta sem forças contra o vento, ou como quem caminha, também é possível, na pesada e espessa e dura água do mar. Mas não há água nem vento, só calor, na longa rua por onde George volta a passar depois de mais de vinte anos. Calor e também aquela aragem macia e como que redonda, de forno aberto, que talvez venha do sul ou de qualquer outro ponto cardeal ou colateral, perdeu a bússola não sabe onde nem quando, perdeu tanta coisa sem ser a bússola. Perdeu ou largou?

Caminham pois lentamente, George e a outra cujo nome quase quis esquecer, quase esqueceu. Trazem ambas vestidos claros, amplos, e a aragem empurra-os ao de leve, um deles para o lado esquerdo de quem vai, o outro para o lado direito de quem vem, ambos na mesma direção, naturalmente.

O rosto da jovem que se aproxima é vago e sem contornos, uma pincelada clara, e quando os tiver, a esses contornos, ele será o rosto de uma fotografia que tem corrido mundo numa mala qualquer, que tem morado no fundo de muitas gavetas, o único fetiche de George. As suas feições ainda são incertas, salpicando a mancha pálida, como acontece com o rosto das pessoas mortas. Mas, tal como essas pessoas, tem, vai ter, uma voz muito real e viva, uma voz que a cal e as pás de terra, e a pedra e o tempo, e ainda a distância e a confusão da vida de George, não prejudicaram. Quando falar não criará espanto, um simples mal-estar.

Agora estão mais perto e ela encontra, ainda sem os ver, dois olhos largos, semicerrados, uma boca fina, cabelos escuros, lisos, sobre um pescoço alto de Modigliani. Mas nesse tempo, dantes, não sabia quem era Modigliani e outros que tais, não eram lá de casa, os pais tinham sido condenados pelas instâncias supremas à quase ignorância, gente de trabalho, diziam como se os outros não trabalhassem, e sorriam um pouco com a superioridade dessa mesma ignorância se a ouviam falar de um livro, de um filme, de um quadro nem pensar, o único que tinham visto talvez fosse a velha estampa desbotada do Angelus que estava na casa de jantar. Com superioridade, pois, e também com uma certa indignação. Ou seria mesmo vergonha? Como quem ouve um filho atrasado dizer inépcias diante de gente de fora que depois, Senhor, pode ir contar ao mundo o que ouviu. E rir. E rir.

Já não sabe, não quer saber, quando saiu da vila e partiu à descoberta da cidade grande, onde, dizia-se lá em casa, as mulheres se perdem. Mais tarde partiu por além-terra, por além-mar. Fez loiros os cabelos, de todos os loiros, um dia ruivos por cansaço de si, mais tarde castanhos, loiros de novo, esverdeados, nunca escuros, quase pretos, como dantes eram. Teve muitos amores, grandes e não tanto, definitivos e passageiros, simples amores, casou-se, divorciou-se, partiu, chegou, voltou a partir e a chegar, quantas vezes? Agora está – estava-, até quando?, em Amsterdão.

Depois de ter deixado a vila, viveu sempre em quartos alugados mais ou menos modestos, depois em casas mobiladas mais ou menos agradáveis. As últimas foram mesmo francamente confortáveis. Vives numa casa mobilada sem nada de teu? Mas deve ser um horror, como podes?, teria dito a mãe, se soubesse. Não o soube, porém. As cartas que lhe escrevia nunca tinham sido minuciosas, de resto detestava escrever cartas e só muito raramente o fazia. Depois o pai morreu e a mãe logo a seguir.

Uma casa mobilada, sempre pensou, é a certeza de uma porta aberta de par em par, de mãos livres, de rua nova à espera dos seus pés. As pessoas ficam tão estupidamente presas a um móvel, a um tapete já gasto de tantos passos, aos bibelots acumulados ao longo das vidas e cheios de recordações, de vozes, de olhares, de mãos, de gente, enfim. Pega-se numa jarra e ali está algo de quem um dia apareceu com rosas. Tem alguns livros, mas poucos, como os amigos que julga sinceros, sê-lo-ão? Aos outros livros, dá-os, vende-os a peso, que leve se sente depois!

– Parece-me que às vezes fazes isso, enfim, toda essa desertificação, com esforço, com sofrimento – disse-lhe um dia o seu amor de então.

– Talvez – respondeu -, talvez. Mas prefiro não pensar no caso.

Queria estar sempre pronta para partir sem que os objectos a envolvessem, a segurassem, a obrigassem a demorar-se mais um dia que fosse. Disponível, pensava. Senhora de si. Para partir, para chegar. Mesmo para estar onde estava.

Os pais não sabiam compreender esse desejo de liberdade, por isso se foi um dia com uma velha mala de cabedal riscado, não havia outra lá em casa. Mas prefere não pensar nos primeiros tempos. E as suas malas agora são caras, leves, malas de voar, e com rodinhas.

A outra está perto. Se houve um momento de nitidez no seu rosto, ele já passou. George não deu por isso. Está novamente esfumado. A proximidade destrói ultimamente as imagens de George, por isso a vai vendo pior à medida que ela se aproxima. É certo que podia pôr os óculos, mas sabe que não vale a pena tal trabalho. Param ao mesmo tempo, espantam-se em uníssono, embora o espanto seja relativo, um pequeno espanto inverdadeiro, preparado com tempo.

Tu?

Tu, Gi?

Tão jovem, Gi. A rapariguinha frágil, um vime, que ela tem levado a vida inteira a pintar, primeiro à maneira de Modigliani, depois à sua própria maneira, à de George, pintora já com nome nos marchands das grandes cidades da Europa. Gi com um pregador de oiro que um dia ficou, por tuta e meia, num penhorista qualquer de Lisboa. Em tempos tão difíceis.

Vim vender a casa.

Ah, a casa.

É esquisito não lhe causar estranheza que Gi continue tão jovem que podia ser sua filha. Quieta, de olhar esquecido, vazio, e que não se espante com a venda assim anunciada, tão subitamente, sem preparação, da casa onde talvez ainda more.

Que pensas fazer, Gi?

Partir, não é? Em que se pode pensar aqui, neste cu de Judas, senão em partir? Ainda não me fui embora por causa do Carlos, mas… O Carlos pertence a isto, nunca se irá embora. Só a ideia o apavora, não é?

Sim. Só a ideia.

Ri-se de partir, como nós nos rimos de uma coisa impossível, de uma ideia louca. Quer comprar uma terra, construir uma casa a seu modo. Recebeu uma herança e só sonha com isso. Creio que é a altura de eu…

Creio que sim.

Pois não é verdade?

Ainda desenhas?

Se não desenhasse dava em maluca. E eles acham que eu tenho muito jeitinho, que hei de um dia ser uma boa senhora da vila, uma esposa exemplar, uma mãe perfeita, tudo isso com muito jeito para o desenho. Até posso fazer retratos das crianças quando tiver tempo, não é verdade?

É o que eles acham, não é?

A mãe está a acabar o meu enxoval.

Eu sei.

Há um breve silêncio, depois George diz devagar:

Que calor, cheira a queimado, o ar. Terá sido sempre assim?

Farto-me de dizer: cheira a queimado, o ar. Ninguém me ouve.

Ninguém ouve ninguém, não sabes? Que aprendeste com a vida, mulher?

A sua voz está mole, pegajosa, difícil, as palavras perdem o fim, desinteressadas de si próprias, é como se se preparassem para o sono.

Creio que estou atrasada – diz então, olhando para o relógio. – Estou mesmo – acrescenta, olhando melhor. – E não posso perder o comboio. Amanhã bem cedo sigo para Amsterdão. Estou a viver em Amsterdão, agora. Tenho lá um atelier.

Amsterdão é? Onde fica isso?

Mas é uma pergunta que não pede resposta. Gi fá-la por fazer e sorri o seu lindo sorriso branco de dezoito anos. Depois ambas dão um beijo rápido, breve, no ar, não se tocam, nem tal seria possível, começam a mover-se ao mesmo tempo, devagar, como quem anda na água ou contra o vento. Vão ficando longe, mais longe. E nenhuma delas olha para trás. O esquecimento desceu sobre ambas.

 

Agora está à janela a ver o comboio fugir de dantes, perder para todo o sempre árvores e casas da sua juventude, perder mesmo a mulher gorda, da passagem de nível, será a mesma ou uma filha igual a ela? Árvores, casas e mulher acabam agora mesmo de mesmo de morrer, deram o último suspiro, adeus. Uma lágrima que não tem nada a ver com isto mas com o que se passou antes – que terá sido que já não se lembra? – uma simples lágrima no seu olho direito, o outro, que esquisito, sempre se recusa a chorar. É como se se negasse a compartilhar os seus problemas, não e não.

A figura vai-se formando aos poucos como um puzzle gasoso, inquieto, informe. Vê-se um pedacinho bem nítido e colorido mas que logo se esvai para aparecer daí a pouco, nítido ainda, mas esfumado. George fecha os olhos com a força possível, tem sono, volta a abri-los com dificuldade, olhos de pupilas escuras, semicirculares, boiando num material qualquer, esbranquiçado e oleoso.

À sua frente a senhora de idade, primeiro esboçada, finalmente completa, olha-a atentamente. De idade não, George detesta eufemismos, mesmo só pensados, uma mulher velha. Tem as mãos enrugadas sobre uma carteira preta, cara, talvez italiana, italiana, sim, tem a certeza. A velha sorri de si para consigo, ou então partiu para qualquer lugar e deixou o sorriso como quem deixa um guarda-chuva esquecido numa sala de espera. O seu sorriso não tem nada a ver com o de Gi – porque havia de ter? -, são como o dia e a noite. Uma velha de cabelos pintados de acaju, de rosto pintado de vários tons de rosa, é certo que discretamente mas sem grande perfeição. A boca, por exemplo, está um pouco esborratada.

Sem voz e sem perder o sorriso diz:

Verá que há-de passar, tudo passa. Amanhã é sempre outro dia. Só há uma coisa, um crime, que ninguém nos perdoa, nada a fazer. Mas isso ainda está longe, muito longe, para quê pensar nisso? Ainda ninguém a acusa, ainda ninguém a condena. Que idade tem?

Quarenta e cinco anos. Porquê?

É muito nova – afirma. – Muito nova.

Sinto-me velha, às vezes.

É normal. Eu tenho quase setenta anos. Como estava a chorar, pensei…

Encolhe os ombros, responde aborrecida:

Não tive desgosto nenhum, nenhum. Um encontro, um simples encontro…

Também tenho muitos encontros, eu. Não quero tê-los mas sou obrigada a isso, vivo tão só. Cheguei à ignomínia de pedir, a pessoas conhecidas, retratos da minha família. Não tinha nenhum, só um retrato meu, em rapariguinha. E retratos de amigos, também. De amigos desaparecidos, levados pelas tempestades, os mais queridos, naturalmente. Porque… o tal crime de que lhe falei, o único sem perdão, a velhice. Um dia vai acordar na sua casa mobilada…

Como sabe que…

E verá que está só e olhará para o espelho com mais atenção e verá que está velha. Irremediavelmente velha.

Tenho um trabalho que me agrada.

Não seja tonta, menina. Outro dia vai reparar, ou talvez já tenha dado por isso, que está a ver pior, e outro ainda que as mãos lhe tremem. E, se for um pouco sensata, ou se souber olhar em volta, descobrirá que este mundo já não lhe pertence, é dos outros, dos que julgam que Baden Powell é um tipo que toca guitarra e que Levi Strauss é uma marca de calças.

Isso é ignorância, não tem nada a ver com a idade.

Talvez seja ignorância, também. Talvez seja. Estou a incomodá-la, parece-me.

Dói-me simplesmente a cabeça.

Desculpe.

George fecha os olhos com força e deixa-se embalar por pensamentos mais agradáveis, bem-vindos: a exposição que vai fazer, aquele quadro que vendeu muito bem o mês passado, a próxima viagem aos Estados Unidos, o dinheiro que pôs no banco. O dinheiro no banco, nos bancos, é uma das suas últimas paixões. Ela pensa – sabe? – que com dinheiro ninguém está totalmente só, ninguém é totalmente abandonado. A velha Georgina já o deve ter esquecido. A velhice também traz consigo, deve trazer, um certo esquecimento das coisas essenciais, pensa. Abre os olhos para lho dizer, para lho pensar, para lho atirar em silêncio à cara enrugada, mas a velha já ali não está.

O calor de há pouco foi desaparecendo e agora não há vestígios daquela aragem de forno aberto. O ar está muito levemente morno e quase agradável. George suspira, tranquilizada. Amanhã estará em Amsterdão na bela casa mobilada onde, durante quanto tempo?, vai morar com o último dos seus amores.

Flecha disparada: George

Versión 2017

Versión original y versión española publicadas con la autorización
de los herederos de la autora. 

 

Van lentamente, más de lo que se puede, como quien lucha sin fuerzas contra el viento, o como quien camina, también es posible, en la pesada y espesa y dura agua del mar. Pero no hay agua ni viento, solo calor, en la larga calle por la que George vuelve a pasar después de más de veinte años. Calor y también aquella brisa suave y como redonda, de horno abierto, que tal vez venga del sur o de cualquier otro punto cardinal o colateral, perdió la brújula no sabe ni dónde ni cuándo, perdió tantas cosas sin que fueran la brújula. ¿Perdió o abandonó?

Caminan, pues, lentamente, George y la otra cuyo nombre casi quiso olvidar, casi olvidó. Llevan ambas vestidos claros, amplios, y la brisa los empuja levemente, uno de ellos hacia la izquierda de quien va, el otro hacia la derecha de quien viene, ambos en la misma dirección, naturalmente.

El rostro de la joven que se aproxima es vago y sin contornos, una pincelada clara, y cuando los tenga, esos contornos, será el rostro de una fotografía que ha corrido mundo en una maleta cualquiera, que ha vivido en el fondo de muchos cajones, el único fetiche de George. Sus facciones aún son inciertas, salpicando la mancha pálida, como sucede con el rostro de las personas muertas. Pero, tal como esas personas, tiene, va a tener, una voz muy real y viva, una voz que la cal y las palas de tierra, y la piedra y el tiempo, e incluso la distancia y la confusión de la vida de George, no perjudicaron. Cuando hable no creará asombro, un simple malestar.

Ahora están más cerca y ella encuentra, aún sin verlos, dos ojos rasgados, entrecerrados, una boca fina, cabellos oscuros, lisos, sobre un cuello largo de Modigliani. Pero en ese tiempo, antes, no sabía quién era Modigliani y otros tales, no eran de allí, de casa. Los padres habían sido condenados por instancias supremas casi a la ignorancia, gente de trabajo, decían, como si los otros no trabajaran, y sonreían un poco con la superioridad de esa misma ignorancia si la oían hablar de un libro, de una película, de un cuadro ni pensar, el único que habían visto tal vez fuera la vieja estampa desteñida del Ángelus que estaba en el comedor. Con superioridad, pues, y también con una cierta indignación. ¿O sería incluso vergüenza? Como quien oye a un hijo retrasado decir necedades ante la gente de fuera que después, Señor, puede ir a contarle al mundo lo que oyó. Y reír. Y reír.

Ya no sabe, no quiere saber, cuando salió del pueblo y se marchó a descubrir la gran ciudad, donde, se decía allí en casa, se pierden las mujeres. Más tarde se marchó al otro lado de la tierra, al otro lado del mar. Se tiñó de rubio los cabellos, de todos los rubios, un día de cobrizo, por cansancio de sí misma, más tarde de castaño, de rubio otra vez, de verdoso, nunca oscuro, casi negro, como eran antes. Tuvo muchos amores, grandes y no tanto, definitivos y pasajeros, simples amores, se casó, se divorció, se marchó, llegó, volvió a marcharse y a llegar, ¿cuántas veces? Ahora está – estaba -, ¿hasta cuándo?, en Ámsterdam.

Después de haber dejado el pueblo, vivió siempre en apartamentos alquilados más o menos modestos, después, en casas amuebladas más o menos agradables. Las últimas fueron incluso francamente confortables. ¿Vives en una casa amueblada sin nada tuyo? Pero debe de ser un horror, ¿cómo puedes?, le habría dicho la madre, si lo supiera. No lo supo, sin embargo. Las cartas que le escribía nunca habían sido minuciosas, por lo demás detestaba escribir cartas y solo muy raramente lo hacía. Después el padre murió, y la madre, a continuación.

Una casa amueblada, pensó siempre, es la certeza de una puerta abierta de par en par, de manos libres, de calle nueva esperando sus pies. Las personas se quedan tan estúpidamente prisioneras de un mueble, de una alfombra ya gastada por tantos pasos, de los bibelots acumulados a lo largo de las vidas y llenos de recuerdos, de voces, de miradas, de manos, de gente, en fin. Se coge un jarrón y allí está algo de quien un día apareció con rosas. Tiene algunos libros, pero pocos, como los amigos que considera sinceros, ¿lo serán? Los otros libros los da, los vende al peso, ¡qué ligera se siente después!

– Me parece que a veces haces eso, en fin, toda esa desertificación, con esfuerzo, con sufrimiento – le dijo un día su amor de entonces.

– Tal vez – respondió – , tal vez. Pero prefiero no pensar en ello.

Quería estar siempre lista para marcharse, sin que los objetos la envolvieran, la sujetaran, la obligaran a permanecer ni siquiera un día más. Libre, pensaba. Dueña de sí misma. Para marcharse, para llegar. Incluso para estar donde estaba.

Los padres no podían comprender ese deseo de libertad, por ello se fue un día con una vieja maleta de cuero resquebrajado, no había otra allí en casa. Pero prefiere no pensar en los primeros tiempos. Y sus maletas ahora son caras, leves, maletas para volar, y con pequeñas ruedas.

La otra está cerca. Si hubo un momento de nitidez en su rostro, ese ya pasó, George no le prestó atención. Se ha esfumado de nuevo. La proximidad destruye últimamente las imágenes de George, por eso la va viendo peor conforme ella se aproxima. Es cierto que podía ponerse las gafas, pero sabe que no vale la pena ese esfuerzo. Se detienen al mismo tiempo, se asombran al unísono, aunque el asombro sea relativo, un pequeño asombro insincero, preparado con tiempo.

¿Tú?

– ¿Tú, Gi?

Tan joven, Gi. La muchachita frágil, una vara de mimbre, que ella se ha llevado toda la vida pintando, primero a la manera de Modigliani, después a la suya, a la de George, pintora ya con nombre entre los marchantes de las grandes ciudades de Europa. Gi con un broche de oro que un día le dejó, casi por nada, a un empeñista cualquiera de Lisboa. En tiempos tan difíciles.

He venido a vender la casa.

– Ah, la casa.

Es raro que no le cause extrañeza que Gi continúe tan joven, tanto, que podía ser su hija. Serena, de mirada olvidada, vacía, y que no se asombre de la venta así anunciada, tan súbitamente, sin preparación, de la casa donde tal vez aún viva.

– ¿Qué piensas hacer, Gi?

– ¿Marcharme, no? ¿En qué se puede pensar aquí, en este culo del mundo, sino en marcharse? Aún no me he ido por Carlos, pero… Carlos pertenece a esto, nunca se irá. Solo la idea lo espanta, ¿no?

– Sí. Solo la idea.

– Se ríe de la idea de marcharse, como nosotros nos reímos de algo imposible, de una idea loca. Quiere comprar un terreno, construir una casa a su manera. Ha recibido una herencia y solo sueña con eso. Creo que es el momento de que yo…

– Creo que sí.

– ¿Pues no es verdad?

– ¿Aún dibujas?

– Si no dibujara me volvería loca. Y ellos creen que tengo mucha habilidad, que seré un día una buena señora del pueblo, una esposa ejemplar, una madre perfecta, todo eso con mucha habilidad para el dibujo. Hasta puedo hacerles retratos a los niños cuando tenga tiempo, ¿no es verdad?

– Es lo que ellos creen, ¿no?

– Mamá está terminando mi ajuar.

– Lo sé.

Hay un breve silencio, después George dice despacio.

– ¡Qué calor!, el aire huele a quemado. ¿Habrá sido siempre así?

– Me canso de decir: huele a quemado el aire. Nadie me oye.

– Nadie oye a nadie, ¿no lo sabes? ¿Qué has aprendido en la vida, mujer?

Su voz es débil, pegajosa, difícil, las palabras pierden el fin, desinteresadas de ellas mismas, es como si se prepararan para el sueño.

Creo que estoy retrasada – dice entonces, mirando el reloj. – Así es – añade, mirando mejor. – Y no puedo perder el tren. Mañana muy temprano salgo para Ámsterdam. Estoy viviendo en Ámsterdam, ahora. Tengo allí un estudio.

– ¿Ámsterdam? ¿Dónde está?

Pero es una pregunta que no pide respuesta. Gi la hace por hacerla y sonríe con su linda sonrisa blanca de dieciocho años. Después ambas se dan un beso rápido, breve, en el aire, no se tocan, ni eso sería posible, comienzan a moverse al mismo tiempo, despacio, como quien anda en el agua o contra el viento. Se van quedando lejos, más lejos. Y ninguna de ellas mira hacia atrás. El olvido ha descendido sobre ambas.

Ahora está en la ventana viendo huir el tren de antes, pierde para siempre los árboles y las casas de su juventud, pierde incluso a la mujer gorda, del paso a nivel, ¿será la misma o una hija igual a ella? Árboles, casas y mujer acaban ahora mismo de morir, han dado el último suspiro, adiós. Una lágrima que no tiene nada que ver con esto, sino con lo que ha pasado antes – ¿qué habrá sido que ya no se acuerda? – una simple lágrima en el ojo derecho, el otro, qué raro, siempre se niega a llorar. Es como si se negara a compartir sus problemas, no y no.

La figura se va formando poco a poco como un puzle gaseoso, inquieto, informe. Se ve un pedacito bien nítido y coloreado, pero luego se desvanece para aparecer de ahí a poco, nítido aún, pero difuminado. George cierra los ojos con toda la fuerza posible, tiene sueño, vuelve a abrirlos con dificultad, ojos de pupilas oscuras, semicirculares, flotando en un material cualquiera, blanquecino y graso.

Frente a ella, una señora de edad, primero esbozada, finalmente completa, la mira atentamente. De edad, no, George detesta los eufemismos, incluso solo pensados, una mujer vieja. Tiene las manos arrugadas sobre una cartera negra, cara, tal vez italiana, italiana, sí, está segura. La vieja se sonríe a sí misma, o quizás se marchó a cualquier lugar y dejó la sonrisa como quien deja un paraguas olvidado en una sala de espera. Su sonrisa no tiene nada que ver con la de Gi – ¿por qué tendría que ver algo? -, son como el día y la noche. Una vieja de cabellos pintados de caoba, con la cara pintada de varios tonos de rosa, es cierto que discretamente, pero sin gran perfección. La boca, por ejemplo, está un poco borrosa.

Sin voz y sin perder la sonrisa dice:

– Verá cómo pasa, todo pasa. Mañana es siempre otro día. Solo hay una cosa, un crimen que nadie nos perdona, no hay nada que hacer. Pero eso aún está lejos, muy lejos, ¿para qué pensar en ello? Aún nadie la acusa, aún nadie la condena. ¿Qué edad tiene?

– Cuarenta y cinco años. ¿Por qué?

– Es muy joven – afirma. – Muy joven.

– Me siento vieja, a veces.

– Es normal. Yo tengo casi setenta años. Como estaba llorando, pensé…

Se encoge de hombros, responde enfadada:

– No he tenido ningún disgusto, ninguno. Un encuentro, un simple encuentro…

– También yo tengo muchos encuentros. No quiero tenerlos, pero me veo obligada a ello, vivo tan sola. He llegado a la ignominia de pedirles a las personas conocidas retratos de mi familia. No tenía ninguno, solo un retrato mío, de jovencita. Y retratos de amigos, también. De amigos desaparecidos que se llevaron las tempestades, los más queridos, naturalmente. Porque… ese crimen del que le he hablado, el único sin perdón, la vejez. Un día despertará en su casa amueblada…

– ¿Cómo sabe que…?

– Y verá que está sola y se mirará al espejo con más atención y verá que está vieja.  Irremediablemente vieja.

– Tengo un trabajo que me agrada.

– No sea tonta, muchacha. Otro día se percatará, o tal vez ya se haya dado cuenta de ello, de que ve peor, y otro día, además, de que las manos le tiemblan. Y, si es un poco sensata, o sabe mirar a su alrededor, descubrirá que este mundo ya no le pertenece, es de los otros, de los que creen que Baden Powell es un tipo que toca la guitarra y que Levi Strauss es una marca de pantalones vaqueros.

– Eso es ignorancia, no tiene nada que ver con la edad.

– Tal vez sea ignorancia, también. Tal vez lo sea. Estoy molestándola, me parece.

– Me duele simplemente la cabeza.

– Disculpe.

George cierra los ojos con fuerza y se deja mecer por pensamientos más agradables, bienvenidos: la exposición que va a hacer, el cuadro que vendió muy bien el mes pasado, el próximo viaje a los Estados Unidos, el dinero que depositó en el banco. El dinero en el banco, en los bancos, es una de sus últimas pasiones. Ella piensa – ¿sabe? – que con dinero nadie está total-mente solo, nadie es totalmente abandonado. La vieja Georgina ya debe de haberlo olvidado. La vejez también trae consigo, debe de traer, un cierto olvido de las cosas esenciales, piensa. Abre los ojos para decírselo, para hacérselo pensar, para tirárselo en silencio a la cara arrugada, pero la vieja ya no está allí.

El calor de hace poco ha ido desapareciendo y ahora no hay vestigios de aquella brisa de horno abierto. El aire es levemente templado y casi agradable. George suspira, tranquilizada. Mañana estará en Ámsterdam en la hermosa casa amueblada donde, ¿durante cuánto tiempo?, va a vivir con el último de sus amores.

©Todos los derechos reservados. Desarrollado por Centro Informático Millenium