Página dedicada a mi madre, julio de 2020

Sophia de Mello Breyner Andresen

Contos exemplares: A Viagem

1962

 

 

 

 

 

A estrada ia entre campos e ao longe, às vezes, viam-se serras. Era o princípio de Setembro e a manhã estendia-se através da terra, vasta de luz e plenitude. Todas as coisas pareciam acesas.

E, dentro do carro que os levava, a mulher disse ao homem:

– É o meio da vida.

Através dos vidros, as coisas fugiam para trás. As casas, as pontes, as serras, as aldeias, as árvores e os rios fugiam e pareciam devorados sucessivamente. Era como se a própria estrada os engolisse.

Surgiu uma encruzilhada. Aí viraram à direita. E seguiram.

– Devemos estar a chegar – disse o homem.

E continuaram.

Árvores, campos, casas, pontes, serras, rios, fugiam para trás, escorregavam para longe.

A mulher olhou inquieta em sua volta e disse:

– Devemos estar enganados. Devemos ter vindo por um caminho errado.

– Deve ter sido na encruzilhada – disse o homem, parando o carro. – Virámos para o poente, devíamos ter virado para o nascente. Agora temos de voltar até à encruzilhada.

A mulher inclinou a cabeça para trás e viu quanto o Sol já subira no céu e como as coisas estavam a perder devagar a sua sombra. Viu também que o orvalho já secara nas ervas da beira da estrada.

– Vamos – disse ela.

O homem virou o volante, o carro deu meia volta na estrada e voltaram para trás.

 

A mulher, cansada, fechou um pouco os olhos, encostou a cabeça nas costas do banco e pôs-se a imaginar o lugar para onde iam. Era um lugar onde nunca tinham ido. Nem conheciam ninguém que lá tivesse estado. Só o conheciam do mapa e de nome. Dizia-se que era um lugar maravilhoso.

Ela pensou que a casa devia ser silenciosa, cheia de paz e branca, rodeada de roseiras; e pensou que o jardim devia ser grande e verde, percorrido de murmúrios.

E alguém lhe tinha dito que no jardim passava um rio claro, brilhante, transparente. No fundo do rio via-se a areia e viam-se as pequenas pedras limpas e polidas. Nas margens crescia erva fina, misturada com trevo. E árvores de copa redonda, carregadas de frutos, cresciam nesse prado.

– Logo que chegarmos – disse ela -, vamos tomar banho no rio.

– Tomamos banho no rio e depois deitamo-nos a descansar na relva – disse o homem, sempre com os olhos fitos na estrada.

E ela imaginou, com sede, a água clara e fria em roda dos seus ombros, e imaginou a relva onde se deitariam os dois, lado a lado, à sombra das folhagens e dos frutos. Ali parariam. Ali haveria tempo para poisar os olhos nas coisas. Ali haveria tempo para tocar as coisas. Ali poderiam respirar devagar o perfume das roseiras. Ali tudo seria demora e presença. Ali haveria silêncio para escutar o murmúrio claro do rio. Silêncio para dizer as graves e puras palavras pesadas de paz e de alegria. Ali nada faltaria: o desejo seria estar ali.

Através dos vidros, campos, pinhais, montes e rios fugiam para trás.

– Devemos estar a chegar à encruzilhada – disse o homem.

E seguiram.

Rios, campos, pinhais e montes. E meia hora passou.

– Já devíamos ter chegado à encruzilhada – disse o homem.

– Com certeza nos enganámos no caminho – disse a mulher.

– Não nos podemos ter enganado – disse o homem -, não havia outro caminho.

E seguiram.

– A encruzilhada já devia ter aparecido – disse o homem.

– O que é que vamos fazer? – perguntou a mulher.

– Seguir em frente.

– Mas estamos a perder-nos.

– Não vejo outro caminho – disse o homem.

E seguiram.

Encontraram rios, campos, montes; atravessaram rios, campos, montes; perderam rios, campos, montes. As paisagens fugiam, puxadas para trás.

– Estamos a perder-nos cada vez mais – disse a mulher.

– Mas onde há outro caminho? – perguntou o homem.

E parou o carro.

À esquerda havia uma grande planície vazia; à direita uma colina coberta de árvores.

– Vamos subir ao alto da colina – disse o homem. – De lá devem avistar-se todos os caminhos em redor.

Subiram ao alto da colina e não avistaram estradas; mas avistaram um cavador a cavar numa horta.

Caminharam para ele e perguntaram-lhe se sabia o caminho para a encruzilhada.

– Sei – disse o cavador -, é para além.

– Podes guiar-nos até lá?

– Posso, mas primeiro tenho de acabar este rego para a água passar. Demoro pouco.

– Nós esperamos – disse o homem.

– Tenho sede – disse a mulher.

– Além, atrás dos penedos – disse o cavador, apontando -, há uma fonte. Ide lá beber enquanto eu acabo o rego.

Caminharam na direção que o cavador apontara e atrás dos penedos encontraram a fonte.

A fonte caía do alto e espetava-se na terra, direita, limpa e brilhante como uma espada.

Ali beberam e ficaram com a cara e os cabelos todos salpicados de gotas, riram de alegria na frescura da água, esqueceram o cansaço, o caminho perdido, a viagem. A mulher sentou-se numa pedra coberta de musgo, o homem sentou-se ao seu lado e os dois permaneceram alguns momentos de mãos dadas, imóveis e calados.

Depois, um pássaro poisou perto da fonte e o homem disse:

– Temos de ir.

Levantaram-se e tomaram o caminho da horta, à procura do cavador.

Mas quando chegaram à horta, o cavador não estava lá. Viram a água a correr nos regos; viram a salsa e a hortelã crescendo lado a lado; mas não viram o cavador.

– Não quis esperar – disse o homem.

– Porque é que nos mentiu?

– Talvez não quisesse mentir. Talvez não pudesse esperar. Ou talvez se esquecesse de nós.

– E agora? – perguntou a mulher.

– Vamos voltar para o carro e vamos seguir na direção que ele há pouco apontou.

 

Subiram e desceram a colina em direção ao carro, mas quando chegaram à estrada o carro tinha desaparecido.

– Devemos estar enganados; devemos ter vindo noutra direção.

– Ou alguém nos roubou o carro.

– Onde estará o cavador?

– Talvez tenha ido à fonte, à nossa procura.

– Temos de encontrar alguém que saiba onde estão o caminho e o carro – disse a mulher.

– Vamos outra vez à fonte; com certeza o cavador foi là ter.

E puseram-se de novo a caminho.

Subiram e desceram a colina; atravessaram a horta. Cheirava a hortelã e a terra regada. Mas do outro lado dos penedos não encontraram a fonte.

– Não era aqui – disse o homem.

– Era aqui- disse a mulher. – Era aqui. Tenho medo. Vamos voltar depressa para a estrada.

E foram pela estrada à procura do carro.

– Que vamos fazer? – perguntou a mulher.

– Continuar a procurar – respondeu o homem.

Seguiram pela estrada. O Sol continuava a subir no céu.

– Estou cansada – disse a mulher.

– Quando chegarmos à terra para onde vamos, descansarás, estendida na relva, à sombra das árvores e dos frutos.

– Temos de encontrar depressa o caminho – disse a mulher.

Ao longe, entre pinhais, surgiu uma casa.

– Vamos até lá – disse o homem. – Talvez lá esteja alguém que nos saiba ensinar o caminho.

Havia uma ligeira brisa e os pinheiros ondulavam.

Bateram à porta da casa. Ninguém respondeu. Escutaram e pareceu-lhes ouvir vozes. Tornaram a bater. Ninguém respondeu. Esperaram. Bateram de novo, com força, espaçadamente, nitidamente, devagar. As pancadas ressoaram. Ninguém respondeu.

Então o homem avançou o ombro direito e arrombou a porta. Mas a casa estava vazia.

Era uma pequena casa de camponeses. Uma casa nua, onde só estavam escritos os gestos da vida. Havia uma cozinha e dois quartos. Num rebordo da parede de cal estava colocada uma imagem; em frente da imagem ardia uma lamparina de azeite; ao lado, alguém poisara um ramo de flores bentas na Páscoa.

Não havia ninguém na cozinha. Não havia ninguém nos quartos. Não havia ninguém nas traseiras, onde as roupas secavam, dependuradas no arame, gesticulando na brisa.

No forno a cinza ainda estava quente e, em cima de uma mesa, havia vinho e pão.

– Tenho fome – disse a mulher.

Sentaram-se e comeram.

– E agora? – perguntou a mulher.

– Vamos voltar outra vez para a estrada e continuar – disse o homem.

Saíram e atravessaram o pinhal. Mas a estrada tinha desaparecido.

– Tenho medo – disse a mulher. – Agora tenho sempre cada vez mais medo. Tudo desaparece.

– Estamos juntos – disse o homem.

– Mas o que é que vamos fazer sem estrada?

– Vamos voltar para a casa – disse o homem – e lá esperaremos até que os donos cheguem e nos ensinem o caminho e nos ajudem.

E de novo atravessaram os pinhais. Mas no lugar onde tinha sido a casa, agora havia só uma pequena clareira e pedras espalhadas.

Ambos ficaram mudos. Depois a mulher deixou-se cair no chão, e, estendida entre as pedras, chorou com a cara encostada à terra.

– Vamos – disse o homem.

– Para onde? – perguntou ela.

– Havemos de encontrar qualquer caminho.

– Para quê? Perdemos tudo quanto encontramos.

O homem ajoelhou ao lado da mulher e limpou na cara dela as lágrimas e a terra.

Depois levantou-a e ambos seguiram para a frente.

Atravessaram o pinhal e encontraram um campo.

Mas não se via nenhum caminho.

No meio do campo havia uma macieira carregada de maçãs vermelhas, polidas e redondas.

– São lindas! – disse a mulher.

Colheu uma para si e outra para o homem. Sentaram-se os dois nas ervas finas, sob a sombra sossegada da árvore e a carne firme, fresca e limpa da maçã estalou entre os seus dentes.

Era já o princípio da tarde, e no dia cheio de luz, encostados ao duro tronco escuro e rugoso, descansaram em silêncio, ouvindo só o levíssimo rumor da terra sob o sol.

Depois o homem disse:

– Vamos.

Levantaram-se e seguiram.

Já no extremo daquele campo, junto à sebe que o separava de outro campo, a mulher exclamou:

– Devíamos ter colhido algumas maçãs para trazer. Não sabemos onde estamos, nem quanto teremos de andar até encontrarmos outra vez alguma coisa de comer.

– É verdade – respondeu o homem.

E, voltando para trás, caminharam para a macieira, que no meio do campo se desenhava redonda.

Porém, quando chegaram ao pé da árvore, viram que nos ramos, entre as folhas, todos os frutos tinham desaparecido.

– Alguém passou por aqui, passou sem o vermos e colheu as maçãs todas – disse o homem.

– Ah! – exclamou a mulher – tão depressa! Tão depressa desaparece tudo! Encontramos as coisas. Estão ali. Mas quando voltamos já desapareceram. E nem sabemos quem as desfez e as levou.

Baixando a cabeça, retomaram em silêncio a caminhada.

Atravessaram sucessivos campos, mas não encontraram ninguém que os guiasse e lhes respondesse. Junto de uma sebe viram no chão um tarro de cortiça e uma bilha de barro.

A mulher destapou o tarro e espreitou dentro da bilha.

– Estão vazios – disse ela.

– Onde estará o dono?

Olharam em redor mas não se avistava ninguém. Chamaram, ninguém respondeu.

– Talvez esteja do outro lado da sebe – disse a mulher.

Atravessaram a sebe, mas do outro lado não viram nenhum homem. Viram só um pequeno regato, que corria quase escondido entre trevos e agriões. Ajoelhados, lavaram as mãos e a cara. Na concha das suas mãos, a mulher bebeu e deu de beber ao homem.

– Se tivéssemos trazido a bilha – disse ela -, poderíamos levar água connosco.

– E também no tarro poderíamos levar frutos. Vamos buscar a bilha e o tarro.

Atravessaram a sebe.

Mas a bilha estava partida e o tarro estava todo roído.

– Quem a terá partido?

– Talvez a brisa ou algum animal passando.

– Quem o terá roído?

– Os ratos, as serpentes, as toupeiras, os cães selvagens.

– Quebrados e roídos já não servem.

– Vamos embora depressa – disse a mulher.

Era já o meio da tarde, quando viram uma grande floresta, de cuja orla partia um carreiro.

– Vamos pelo carreiro. Indo por aqui temos que encontrar gente. Os carreiros são feitos para passarem pessoas. Os carreiros são feitos para levar até aos lugares onde há gente.

E entraram na floresta.

Carvalhos, castanheiros, tílias e bétulas, cedros e pinheiros cruzavam os seus ramos. Grandes raios de luz oblíqua passavam entre os troncos. O ar era verde e doirado.

– Que bonita floresta!- exclamou a mulher.

– Que bonita floresta! – exclamou o homem.

Aqui e além estalava um ramo seco. Às vezes uma pinha caía do alto. Ouvia-se o murmúrio da brisa nas folhas altas. Ouvia-se o canto dos pássaros escondidos. Ouvia-se o silêncio dos musgos e da terra.

E embalados na beleza, na música e no perfume da floresta, o homem e a mulher seguiram de mão dada pelo carreiro.

Até que ouviram ao longe um som de machadadas. Foram andando e foram-se aproximando do som.

– Vem dali! – disse a mulher.

E saindo do carreiro meteram à direita.

Encontraram um lenhador a rachar lenha.

– Estamos perdidos – disse o homem -, andamos à procura do caminho para a estrada

– Ide sempre a direito pelo carreira – disse o lenhador – e encontrareis a estrada.

– Obrigado – disse o homem.

E voltaram os dois para trás.

Mas não encontraram o carreiro.

– Como é que o perdemos? – disse a mulher.

– Vamos pedir ao lenhador que nos guie – disse o homem.

Voltaram ao lugar onde tinham falado ao lenhador. Mas só encontraram lenha rachada. O lenhador tinha desaparecido.

– Foi-se embora – disse a mulher.

– Não deve estar longe. Vamos chamar.

Repetidas vezes chamaram. Mas nenhuma voz, nenhum rumor humano lhes respondeu. Só ouviam cantos de pássaros, sons de ramos secos estalando, murmúrios de brisa nas folhas.

– Vamos escutar calados – disse o homem. – Ele não pode ainda estar longe, talvez se possa ainda ouvir o barulho dos seus passos.

E escutaram calados.

Mas só se ouviam os barulhos da floresta.

– Sei uma maneira melhor de escutar – disse a mulher.

E pôs-se de joelhos e encostou, primeiro um, depois o outro, os ouvidos à terra.

Mas só ouviu o silêncio palpitante da terra.

– Só oiço a terra – disse ela.

– Vamos para a frente – respondeu o homem.

E seguiram.

Encontraram uma sebe carregada de amoras.

– São maravilhosas! – disse a mulher.

O homem colheu um punhado de amoras e estendeu-as na palma da mão à mulher. Ela provou e tornou a dizer:

– São maravilhosas!

Rindo, começaram os dois a colher amoras e, tendo reunido uma grande quantidade, sentaram-se no chão a comer. A luz oblíqua da tarde passava entre os troncos escuros e acendia o verde das ervas. Quando acabaram de comer, o homem disse:

– Temos de ir. Temos de encontrar a estrada e a terra para onde vamos.

– Como havemos de encontrar essa terra, se nem sabemos onde estamos?

– Temos de procurar – respondeu o homem.

Levantaram-se para partir.

– Espera – disse a mulher. – Quero levar amoras.

E, desatando o nó do lenço que trazia ao pescoço, abriu e estendeu o lenço no chão. Começaram os dois a colher amoras e reuniram uma grande pirâmide dentro do lenço. Depois ataram duas a duas as quatro pontas.

– Vamos – disse o homem, passando o dedo entre os dois nós.

E retomaram o seu caminho.

Iam de mãos dadas através do ar doirado e verde.

– Esta floresta é linda! – disse a mulher.

– É – disse o homem -, mas não encontrámos ainda a estrada.

A mulher, porém, entornou a cabeça para trás e respirou profundamente o cheiro das árvores e da terra. Estendeu a mão no ar e na ponta dos seus dedos poisou uma borboleta.

– Ah! – disse ela -, mesmo perdida, vejo como tudo é perfumado e belo. Mesmo sem saber se jamais chegarei, apetece-me rir e cantar em honra da beleza das coisas. Mesmo neste caminho que eu não sei onde leva, as árvores são verdes e frescas, como se as alimentasse uma certeza profunda. Mesmo aqui a luz poisa leve nos nossos rostos como se nos reconhecesse. Estou cheia de medo e estou alegre.

– O ar e a luz – disse o homem – são bons e belos. Se não estivéssemos perdidos, esta caminhada seria uma viagem maravilhosa. Mas o ar e a luz não nos sabem ensinar a estrada.

Ouviram um pequeno murmúrio cristalino e, dando mais alguns passos, encontraram um rio.

Era um pequeno rio, estreito e claro, em cujas margens cresciam flores selvagens cor-de-rosa e brancas.

O homem e a mulher deitaram-se de bruços no chão, aproximaram a cara da água e começaram a beber.

– Que água tão limpa! – exclamou a mulher. – Vamos tomar um banho.

Despiram-se e entraram no rio.

Ora rindo, ora em silêncio, nadaram muito tempo. Mergulhavam de olhos abertos, tocando as pequenas pedras polidas do fundo, atravessando um mundo suspenso, transparente e verde. Trutas azuis deslizavam rente aos seus gestos.

Depois estenderam-se à sombra doirada da floresta, sobre as relvas das margens. O perfil da mulher recortava-se entre as flores.

– Aqui é quase como na terra para onde vamos – disse ela.

– É – respondeu o homem -, mas aqui é um lugar de passagem.

E ambos se levantaram e se vestiram.

– Vamos? – perguntou ele.

– Espera um momento – respondeu a mulher. – Quero primeiro colher flores para levar.

Ajoelhou-se no chão e começou a fazer um ramo. E o homem reparou que ela colhia as flores arrancando-as com a raiz e perguntou:

– Por que é que colhes as flores com a raiz?

– Porque as quero plantar na terra para onde vamos. Não sei se lá há flores iguais a estas – respondeu a mulher.

E seguiram.

Agora o dia começava a cair.

– Tenho fome – disse a mulher.

– Temos as amoras – disse o homem.

Pousou o lenço no chão e desatou os nós.

Mas o lenço estava vazio.

Ficaram uns momentos calados. Depois o homem disse:

– As pontas do lenço estavam com certeza mal atadas e as amoras foram-se perdendo uma por uma, à medida que íamos andando. Uma por uma. Nem as senti cair.

– Tenho fome – disse a mulher.

– Vamos para a frente – disse o homem.

Viram, ao longe entre as árvores, um clarão vermelho.

– É o pôr do sol! – exclamou a mulher. – Já é o pôr do sol!

– Vamos depressa – disse o homem. – Vem aí noite e ainda não encontrámos o caminho.

E foram, quase correndo.

Entre as sombras do crepúsculo, ouviram de repente vozes.

– Gente! – exclamou o homem. – Estamos salvos!

– Salvos? – perguntou a mulher.

E de novo se ouviram vozes.

– Estão para aquele lado – disse a mulher, apontando para a esquerda.

– Não, estão para além – disse o homem, apontando para a direita.

O homem agarrou a mão da mulher e correram os dois para a direita.

Mas à medida que iam correndo, as vozes iam-se tornando-se mais distantes.

– Vão mais depressa do que nós! – queixou-se a mulher.

– Mas – respondeu o homem -, se conseguirmos ao menos seguir a direção que levam, estaremos salvos.

Assim foram, escutando e correndo, enquanto as sombras do crepúsculo cresciam. Até que as vozes deixaram de se ouvir, e a noite caiu espessa e cerrada.

A Lua ainda não tinha nascido. Por todos os lados os rodeavam sombras, ruídos, murmúrios, que eles confundiam com vultos, passos, vozes. Mas eram apenas trevas, troncos de árvores, galhos secos que estalavam, sussurrar de folhagens.

– Estamos perdidos? – perguntou a mulher.

– Não sabemos – disse o homem.

Seguiram devagar, de mão dada, em silêncio, encostados um ao outro.

Até que, de repente, viram que tinham chegado ao fim da floresta.

Cheios de esperança, avançaram para o espaço descoberto, mas, saindo do arvoredo, encontraram à sua frente um abismo.

Debruçados espreitaram. Porém, à luz das estrelas nada viam diante de si senão um poço de escuridão, enquanto um frio de mármore lhes tocava a cara.

– É um precipício – disse o homem. – A terra está separada em nossa frente. Não podemos dar nem sequer mais um passo.

– Olha! – respondeu a mulher.

E apontou um estreito carreiro que seguia rente ao abismo. Tinha à esquerda uma alta arriba de pedra e à direita o vazio.

– Vamos – disse o homem.

– Tenho medo – disse a mulher.

– Estamos juntos – respondeu o homem -, não tenhas medo.

E seguiram pelo carreiro.

O homem ia à frente e a mulher, atrás, segurava-se com a mão esquerda aos penedos e com a mão direita ao ombro do homem.

 

Iam em silêncio, sob o brilho escuro das estrelas, medindo cada gesto e cada passo.

Mas de repente o corpo do homem oscilou, rolaram pequenas pedras. Ele gritou à mulher:

– Segura-me!

Mas já o ombro dele escorregava das mãos dela. E a mulher gritou:

– Agarra-te à terra!

Mas nenhuma voz lhe respondeu, pois no grande silêncio nítido e sonoro só se ouvia o rolar das pedras.

Ela estava sozinha, vestida de terror, agarrada ao chão em frente do vazio.

– Responde! – gritou, debruçada sobre o abismo.

Longe, o eco da sua voz repetiu:

– Responde.

Estava estendida na terra, com as mãos enterradas na terra, e começou a gritar, como quem está perdido no meio dum sonho. Depois parou de gritar e murmurou:

– Tenho de o ir procurar.

Seguiu de rastos pelo carreiro, tateando o chão com as mãos, em busca duma passagem por onde pudesse descer para procurar o homem. Mas não havia passagem.

Então tentou descer pela própria vertente do abismo. Agarrando-se a ervas e raízes, deixou-se escorregar ao longo do precipício. Mas os seus pés não encontravam nenhum apoio onde pudessem firmar-se. Pois a vertente descia a pique, era uma parede lisa de pedra nua.

– Tenho de voltar para o carreiro – pensou a mulher – e tenho de procurar mais adiante uma passagem.

E, agarrada a ervas e raízes, içou-se para o carreiro.

Mas o carreiro tinha desaparecido. Agora havia apenas um estreito rebordo onde ela não cabia, onde nem os seus pés cabiam. Um rebordo sem saída. Aí ficou, de lado, com os pés um em frente do outro, com o lado direito do seu corpo colado à pedra da arriba e o lado esquerdo já banhado pela respiração fria e rouca do abismo. Sentia que as ervas e as raízes a que se segurava cediam lentamente, com o peso do seu corpo. Compreendia que agora era ela que ia cair no abismo. Viu que, quando as raízes se rompessem, não se poderia agarrar a nada, nem mesmo a si própria. Pois era ela própria o que ela agora ia perder.

Compreendeu que lhe restavam somente alguns momentos.

Então virou a cara para o outro lado do abismo. Tentou ver através da escuridão. Mas só se via escuridão. Ela, porém, pensou:

– Do outro lado do abismo está com certeza alguém.

E começou a chamar.

Cuentos ejemplares: El viaje

Versión 2015

Texto original y versión española publicados
con la autorización de los herederos de la autora.

Al club de lectura «O Ramalhete» (Sevilla)

 

 

La carretera iba por medio de los campos, y a lo lejos, a veces, se veían las sierras. Era a principios de septiembre y la mañana se extendía a través de la tierra, vasta de luz y plenitud. Todas las cosas parecían encendidas.

Y en el coche que los llevaba, la mujer le dijo al hombre:

– Es la mitad de la vida.

A través de los cristales, las cosas huían hacia atrás. Las casas, los puentes, las sierras, las aldeas, los árboles y los ríos huían y parecían ser devorados sucesivamente. Era como si la propia carretera se los tragara.

Apareció un cruce. Allí giraron a la derecha. Y siguieron.

– Tenemos que estar llegando – dijo el hombre.

Y continuaron.

Árboles, campos, casas, puentes, sierras, ríos huían hacia atrás, resbalaban a lo lejos.

La mujer miró inquieta a su alrededor y dijo:

– Tenemos que estar confundidos. Tenemos que haber venido por un camino equivocado.

– Tiene que haber sido en el cruce – dijo el hombre, parando el coche. – Hemos girado a poniente, teníamos que haber girado a levante. Ahora tenemos que volver al cruce.

La mujer echó la cabeza hacia atrás y vio lo mucho que el sol se había elevado ya en el cielo y cómo las cosas estaban perdiendo despacio su sombra. Vio también que el rocío se había secado ya en las hierbas junto a la carretera.

– Vamos – dijo ella.

El hombre giró el volante, el coche dio media vuelta en la carretera y volvieron atrás.

La mujer, cansada, cerró un poco los ojos, apoyó la cabeza en el respaldo del asiento y se puso a imaginar el lugar al que iban. Era un lugar al que nunca habían ido. Ni conocían a nadie que hubiera estado allí. Solo lo conocían por el mapa y por el nombre. Se decía que era un lugar maravilloso.

Ella pensó que la casa tenía que ser silenciosa, llena de paz y blanca, rodeada de rosales; y pensó que el jardín tenía que ser grande y verde, recorrido por murmullos.

Y alguien le había dicho que por el jardín pasaba un río claro, brillante, transparente. En el fondo del río se veía la arena y se veían las pequeñas piedras limpias y pulidas. En las orillas crecía una hierba fina, mezclada con trébol. Y los árboles de copa redonda, cargados de frutas, crecían en ese prado.

– Apenas lleguemos – dijo ella -, vamos a darnos un baño en el río.

– Nos damos un baño en el río y después nos echamos en el césped a descansar – dijo el hombre, siempre con los ojos fijos en la carretera.

Y ella imaginó, con sed, el agua clara alrededor de sus hombros, e imaginó el césped en el que se echarían los dos, uno al lado del otro, a la sombra de los follajes y de las frutas. Allí pararían. Allí habría tiempo para posar los ojos en las cosas. Allí habría tiempo para tocar las cosas. Allí podrían respirar despacio el perfume de los rosales. Allí todo sería demora y presencia. Allí habría silencio para escuchar el murmullo claro del río. Silencio para decir las graves y puras palabras llenas de paz y de alegría. Allí nada faltaría: el deseo sería estar allí.

A través de los cristales, campos, pinares, montes y ríos huían hacia atrás.

– Tenemos que estar llegando al cruce – dijo el hombre.

Y siguieron.

Ríos, campos, pinares y montes. Y pasó media hora.

– Ya tendríamos que haber llegado al cruce – dijo el hombre.

– Seguramente nos hemos confundido en el camino – dijo la mujer.

– No podemos habernos confundido – dijo el hombre -, no había otro camino.

Y siguieron.

– El cruce ya debería haber aparecido – dijo el hombre.

– ¿Qué vamos a hacer? – preguntó la mujer.

– Seguir adelante.

– Pero estamos perdiéndonos.

– No veo otro camino – dijo el hombre.

Y siguieron.

Encontraron ríos, campos, montes; atravesaron ríos, campos, montes; perdieron ríos, campos, montes. Los paisajes huían, lanzados hacia atrás.

– Estamos perdiéndonos cada vez más – dijo la mujer.

– Pero ¿dónde hay otro camino? – preguntó el hombre.

Y paró el coche.

A la izquierda, había una gran llanura vacía; a la derecha, una colina cubierta de árboles.

– Vamos a subir a lo alto de la colina – dijo el hombre. – Desde allí deben divisarse todos los caminos del alrededor.

Subieron a lo alto de la colina y no divisaron las carreteras; pero divisaron a un cavador que cavaba en una huerta.

Caminaron hacia él y le preguntaron si conocía el camino hacia el cruce.

– Sí – dijo el cavador -, está al otro lado.

– ¿Puedes guiarnos hacia allí?

– Sí, pero primero tengo que terminar este canal para que el agua pase. Tardo poco.

– Esperamos – dijo el hombre.

– Tengo sed – dijo la mujer.

– Más allá, detrás de los peñascos – dijo el cavador señalando -, hay una fuente. Id a beber mientras yo termino el canal.

Caminaron en la dirección que el cavador había señalado, y detrás de los peñascos encontraron la fuente.

La fuente caía de lo alto y se clavaba en la tierra, derecha, limpia y brillante como una espada.

Allí bebieron y se quedaron con la cara y los cabellos salpicados por completo de gotas, rieron de alegría en el frescor del agua, se olvidaron del cansancio, del camino perdido, del viaje. La mujer se sentó en una piedra cubierta de musgo, el hombre se sentó a su lado, y los dos permanecieron unos momentos con las manos dadas, inmóviles y callados.

Después, un pájaro se posó cerca de la fuente, y el hombre dijo:

– Tenemos que irnos.

Se levantaron y reemprendieron el camino hacia la huerta, en busca del cavador.

Pero, cuando llegaron a la huerta, el cavador no estaba allí. Vieron el agua corriendo por los canales; vieron el perejil y la hierbabuena creciendo uno al lado del otro; pero no vieron al cavador.

– No ha querido esperar – dijo el hombre.

– ¿Por qué nos ha mentido?

– Tal vez no quisiera mentir. Tal vez no pudiera esperar. O tal vez se olvidara de nosotros.

– ¿Y ahora? – preguntó la mujer.

– Vamos a volver al coche y vamos a seguir en la dirección que él señaló hace poco.

Subieron y bajaron la colina en dirección al coche, pero cuando llegaron a la carretera, el coche había desaparecido.

– Tenemos que estar confundidos; tenemos que haber venido en otra dirección.

– O alguien nos ha robado el coche.

– ¿Dónde estará el cavador?

– Tal vez haya ido a la fuente, en nuestra búsqueda.

– Tenemos que encontrar a alguien que sepa dónde están el camino y el coche – dijo la mujer.

– Vamos otra vez a la fuente; seguramente el cavador ha ido allí.

Y se pusieron de nuevo en camino.

Subieron y bajaron la colina; cruzaron la huerta. Olía a hierbabuena y a tierra regada. Pero, al otro lado de los peñascos, no encontraron la fuente.

– No era aquí – dijo el hombre.

– Era aquí – dijo la mujer. – Era aquí. Tengo miedo. Vamos a volver deprisa a la carretera.

Y fueron a la carretera a buscar el coche.

– ¿Qué vamos a hacer? – preguntó la mujer.

– Seguiremos buscando – respondió el hombre.

Siguieron por la carretera. El sol continuaba subiendo en el cielo.

– Estoy cansada – dijo la mujer.

– Cuando lleguemos a la tierra a la que vamos, descansarás, tendida en el césped, a la sombra de los árboles y de las frutas.

– Tenemos que encontrar deprisa el camino – dijo la mujer.

A lo lejos, entre pinares, surgió una casa.

– Vamos hasta allí – dijo el hombre. – Tal vez haya alguien que sepa enseñarnos el camino.

Había una ligera brisa, y los pinos ondeaban.

Llamaron a la puerta de la casa. Nadie respondió. Escucharon y les pareció oír voces. Volvieron a llamar. Nadie respondió. Esperaron. Llamaron de nuevo, con fuerza, de vez en cuando, nítidamente, despacio. Los golpes retumbaron. Nadie respondió.

Entonces, el hombre avanzó derecho y forzó la puerta. Pero la casa estaba vacía.

Era una pequeña casa de campesinos. Una casa desnuda, en la que solo estaban escritos los gestos de la vida. Había una cocina y dos dormitorios. En un reborde de la pared de cal estaba colocada una imagen; frente a la imagen, ardía una lamparita de aceite; al lado, alguien había dejado un ramo de flores bendecidas en la Pascua.

No había nadie en la cocina. No había nadie en los dormitorios. No había nadie en la parte de atrás, donde las ropas se secaban, colgadas del alambre, gesticulando en la brisa.

En el horno, la ceniza aún estaba caliente, y encima de una mesa había pan y vino.

– Tengo hambre – dijo la mujer.

Se sentaron y comieron.

– ¿Y ahora? – preguntó la mujer.

– Vamos a volver otra vez a la carretera y continuaremos – dijo el hombre.

Salieron y cruzaron el pinar. Pero la carretera había desaparecido.

– Tengo miedo – dijo la mujer. – Ahora tengo cada vez más miedo. Todo desaparece.

– Estamos juntos – dijo el hombre.

– Pero ¿qué vamos a hacer sin carretera?

– Vamos a volver a la casa – dijo el hombre – y allí esperamos hasta que los dueños lleguen y nos enseñen el camino y nos ayuden.

Y de nuevo cruzaron los pinares. Pero, en el lugar en que había estado la casa, ahora solo había un pequeño claro y piedras esparcidas.

Ambos se quedaron mudos. Después, la mujer se dejó caer en el suelo y, tendida entre las piedras, lloró con la cara apoyada en la tierra.

– Vamos – dijo el hombre.

– ¿Adónde? – preguntó ella.

– Tenemos que encontrar algún camino.

– ¿Para qué? Perdemos todo lo que encontramos.

El hombre se arrodilló al lado de la mujer y le limpió la cara de lágrimas y tierra.

Después la levantó y ambos siguieron hacia delante.

Cruzaron el pinar y encontraron un campo.

Pero no se veía ningún camino.

En medio del campo había un manzano cargado de manzanas rojas, pulidas y redondas.

– ¡Qué lindas! – dijo la mujer.

Cogió una para ella y otra para el hombre. Se sentaron los dos en las hierbas finas a la sombra sosegada del árbol, y la carne firme, fresca y limpia de la manzana estalló entre sus dientes.

Era ya el principio de la tarde, y en el día lleno de luz, apoyados en el duro tronco oscuro y rugoso, descansaron en silencio, oyendo solo el levísimo rumor de la tierra bajo el sol.

Después el hombre dijo.

– Vamos.

Se levantaron y siguieron.

Ya en la linde de ese campo, junto al seto que lo separaba de otro campo, la mujer exclamó:

– Teníamos que haber cogido algunas manzanas. No sabemos dónde estamos, ni cuánto tendremos que caminar hasta encontrar de nuevo algo de comer.

– Es verdad – respondió el hombre.

Y, volviendo hacia atrás, caminaron hacia el manzano, que en medio del campo se dibujaba redondo.

Sin embargo, cuando llegaron junto al árbol, vieron que en las ramas, entre las hojas, todas las frutas habían desaparecido.

– Alguien ha pasado por aquí, ha pasado sin que lo viéramos y ha cogido todas las manzanas – dijo el hombre.

– ¡Ah! – exclamó la mujer -, ¡tan deprisa! ¡Todo desaparece tan deprisa! Encontramos las cosas. Están ahí. Pero cuando volvemos, ya han desaparecido. Y no sabemos ni quién las ha deshecho y se las ha llevado.

Bajando la cabeza, retomaron el camino en silencio.

Cruzaron sucesivos campos, pero no encontraron a nadie que los guiase y les respondiera. Junto a un seto vieron en el suelo un tarro de corcho y un botijo de barro.

La mujer destapó el tarro y miró dentro del botijo.

– Están vacíos – dijo ella.

– ¿Dónde estará el dueño?

Miraron alrededor, pero no divisaron a nadie. Llamaron, nadie respondió.

– Tal vez esté al otro lado del seto – dijo la mujer.

Cruzaron el seto, pero al otro lado no vieron a ningún hombre. Vieron solo un pequeño regato que corría casi escondido entre tréboles y berros. Arrodillados, se lavaron las manos y la cara. En la concha de sus manos la mujer bebió y le dio de beber al hombre.

– Si nos hubiésemos traído el botijo – dijo ella –, podríamos llevarnos agua.

– Y también podríamos llevarnos frutas en el tarro. Vamos a buscar el botijo y el tarro.

Cruzaron el seto.

Pero el botijo estaba roto y el tarro estaba totalmente roído.

– ¿Quién lo habrá roto?

– Tal vez la brisa o algún animal al pasar.

– ¿Quién lo habrá roído?

– Los ratones, las serpientes, los topos, los perros salvajes.

– Rotos y roídos, ya no sirven.

– Vámonos deprisa – dijo la mujer.

Era ya media tarde cuando vieron un gran bosque, de cuya orla partía un sendero.

– Vamos por el sendero. Yendo por allí tenemos que encontrar gente. Los senderos están hechos para que pasen las personas. Los senderos están hechos para llevarnos a los lugares donde hay gente.

Y entraron en el bosque.

Robles, castaños, tilos y abedules, cedros y pinos cruzaban sus ramas. Grandes rayos de luz oblicua pasaban entre los troncos. El aire era verde y dorado.

– ¡Qué bonito bosque! – exclamó la mujer.

– ¡Qué bonito bosque! – exclamó el hombre.

Aquí y allí estallaba una rama seca. A veces una piña caía de lo alto. Se oía el murmullo de la brisa en las hojas altas. Se oía el canto de los pájaros escondidos. Se oía el silencio de los musgos y de la tierra.

Y balanceados en la belleza, en la música y en el perfume del bosque, el hombre y la mujer siguieron con las manos dadas por el sendero.

Hasta que oyeron a lo lejos un sonido de hachazos. Continuaron andando y aproximándose al sonido.

– ¡Viene de allí! – dijo la mujer.

Y saliendo del sendero se metieron a la derecha.

Encontraron a un leñador cortando leña.

– Estamos perdidos – dijo el hombre -, estamos buscando el camino que lleva a la carretera.

– Id siempre derecho por el sendero – dijo el leñador – y encontraréis la carretera.

– Gracias – dijo el hombre.

Y volvieron los dos hacia atrás.

Pero no encontraron el sendero.

– ¿Cómo nos hemos perdido? – dijo la mujer.

– Vamos a pedirle al leñador que nos guíe – dijo el hombre.

Volvieron al lugar en el que habían hablado con el leñador. Pero solo encontraron leña cortada. El leñador había desaparecido.

– Se ha marchado – dijo la mujer.

– No debe de estar lejos. Vamos a llamarlo.

Llamaron repetidas veces. Pero ninguna voz, ningún rumor humano les respondió. Solo oían cantos de pájaros, sonidos de ramas secas que crujían, murmullos de brisa en las hojas.

– Vamos a escuchar callados – dijo el hombre. – No puede estar aún muy lejos, tal vez se pueda escuchar aún el ruido de sus pasos.

Y escucharon callados.

Pero solo se oían los ruidos del bosque.

– Conozco un modo mejor de escuchar – dijo la mujer.

Y se puso de rodillas y acercó, primero uno, después otro, los oídos a la tierra.

Pero solo oyó el silencio palpitante de la tierra.

– Solo oigo la tierra – dijo ella.

– Vamos hacia delante – respondió el hombre.

Y siguieron.

Encontraron un seto cargado de moras.

– ¡Son maravillosas! – dijo la mujer.

El hombre cogió un puñado de moras y se las extendió en la palma de la mano a la mujer. Ella las probó y volvió a decir:

– ¡Son maravillosas!

Riendo, comenzaron los dos a coger moras y, habiendo reunido una gran cantidad, se sentaron en el suelo a comer. La luz oblicua de la tarde pasaba entre los troncos oscuros y encendía el verde de las hierbas. Cuando acabaron de comer, el hombre dijo:

– Tenemos que irnos. Tenemos que encontrar la carretera y la tierra a la que vamos.

– ¿Cómo vamos a encontrar esa tierra, si ni siquiera sabemos dónde estamos?

– Tenemos que buscar – respondió el hombre.

Se levantaron para marcharse.

– Espera – dijo la mujer. – Quiero llevarme moras.

Y, desatando el nudo del pañuelo que traía en el cuello, lo abrió y lo extendió en el suelo. Comenzaron los dos a coger moras y reunieron una gran pirámide dentro del pañuelo. Después, ataron dos a dos las cuatro puntas.

– Vamos – dijo el hombre, pasando el dedo entre los dos nudos.

Y retomaron el camino.

Iban con las manos dadas a través del aire dorado y verde.

– ¡Este bosque es lindo! – dijo la mujer.

– Lo es – dijo el hombre, – pero no hemos encontrado aún la carretera.

La mujer, sin embargo, echó la cabeza para atrás y respiró profundamente el olor de los árboles y de la tierra. Extendió la mano en el aire, y en la punta de sus dedos se posó una mariposa.

– ¡Ah! – dijo ella -, incluso perdida, veo lo perfumado y hermoso que está todo. Incluso sin saber si alguna vez llegaré, me apetece reír y cantar en honor de la belleza de las cosas. Incluso en este camino que no sé adónde lleva, los árboles son verdes y frescos como si los alimentase una certeza profunda. Incluso aquí la luz se posa leve en nuestros rostros como si nos reconociera. Estoy llena de miedo y estoy alegre.

– El aire y la luz – dijo el hombre – son buenos y hermosos. Si no estuviésemos perdidos, esta caminata sería un viaje maravilloso. Pero el aire y la luz no saben enseñarnos la carretera.

Oyeron un pequeño murmullo cristalino y, dando algunos pasos más, encontraron un río.

Era un pequeño río estrecho y claro, en cuyas márgenes crecían flores salvajes rosas y blancas.

El hombre y la mujer se echaron boca abajo en el suelo, acercaron la cara al agua y comenzaron a beber.

– ¡Qué agua tan limpia! – exclamó la mujer. – Vamos a darnos un baño.

Se desnudaron y entraron en el río.

Ya riendo, ya en silencio, nadaron mucho tiempo. Se zambullían con los ojos abiertos, tocando las pequeñas piedras pulidas del fondo, cruzando un mundo suspendido, transparente y verde. Truchas azules se deslizaban a ras de sus gestos.

Después se tendieron a la sombra dorada del bosque sobre el césped de las orillas. El perfil de la mujer se recortaba entre las flores.

– Aquí es casi como en la tierra a la que vamos – dijo ella.

– Lo es – respondió el hombre -, pero este es un lugar de paso.

Y ambos se levantaron y se vistieron.

– ¿Vamos? – preguntó él.

– Espera un momento – respondió la mujer. – Antes quiero coger flores para llevármelas.

Se arrodilló en el suelo y empezó a hacer un ramo. Y el hombre se dio cuenta de que cogía las flores arrancándolas con las raíces, y preguntó:

– ¿Por qué coges las flores con las raíces?

– Porque quiero plantarlas en la tierra a la que vamos. No sé si allí hay flores iguales a estas – respondió la mujer.

Y siguieron.

Ahora el día comenzaba a caer.

– Tengo hambre – dijo la mujer.

– Tenemos las moras – dijo el hombre.

Posó el pañuelo en el suelo y desató los nudos.

Pero el pañuelo estaba vacío.

Se quedaron callados unos momentos. Después el hombre dijo:

– Las puntas del pañuelo estaban seguramente mal atadas, y las moras se han ido cayendo una a una conforme íbamos caminando. Una a una. Ni las he oído caer.

– Tengo hambre – dijo la mujer.

– Vamos adelante – dijo el hombre.

Vieron a lo lejos entre los árboles un luz rojiza.

– ¡Es la puesta del sol! – exclamó la mujer. – ¡Ya es la puesta del sol!

– Vamos deprisa – dijo el hombre. – Llega la noche, y aún no hemos encontrado el camino.

Y fueron casi corriendo.

Entre las sombras del crepúsculo oyeron voces de repente.

– ¡Gente! – exclamó el hombre. – ¡Estamos a salvo!

– ¿A salvo? – preguntó la mujer.

Y de nuevo se oyeron voces:

– Llegan de aquel lado – dijo la mujer, señalando a la izquierda.

– No, llegan de allí – dijo el hombre señalando a la derecha.

El hombre cogió de la mano a la mujer, y los dos corrieron a la derecha.

Pero a medida que iban corriendo, las voces se iban volviendo más distantes.

– ¡Van más deprisa que nosotros! – se quejó la mujer.

– Pero – respondió el hombre – si conseguimos al menos seguir la dirección que llevan, estaremos a salvo.

Así fueron, escuchando y corriendo, mientras las sombras del crepúsculo crecían. Hasta que las voces dejaron de oírse, y la noche cayó espesa y cerrada.

La Luna aún no había surgido. Por todas partes los rodeaban sombras, ruidos, murmullos que ellos confundían con bultos, pasos, voces. Pero eran solo tinieblas, troncos de árboles, ramas secas que crujían, susurros de los follajes.

– ¿Estamos perdidos? – preguntó la mujer.

– No lo sabemos – dijo el hombre.

Siguieron despacio, con las manos dadas, en silencio, apoyados el uno en el otro.

Hasta que de repente vieron que habían llegado al final del bosque.

Llenos de esperanza, avanzaron hacia el espacio descubierto, pero, saliendo de la arboleda, se encontraron frente a un abismo.

Observaron inclinados. Sin embargo, a la luz de las estrellas no veían nada delante, a no ser un pozo de oscuridad, mientras un frío de mármol les tocaba la cara.

– Es un precipicio – dijo el hombre. – La tierra está separada ante nosotros. No podemos dar ni siquiera un paso más.

– ¡Mira! – respondió la mujer.

Y señaló un estrecho sendero que seguía a ras del abismo. Había a la izquierda un alto acantilado, y a la derecha, estaba el vacío.

– Vamos – dijo el hombre.

– Tengo miedo – dijo la mujer.

– Estamos juntos – respondió el hombre -, no tengas miedo.

Y siguieron por el sendero.

El hombre iba delante, y la mujer, detrás, se agarraba con la mano izquierda a las rocas, y con la mano derecha, al hombro del hombre.

Iban en silencio bajo el brillo oscuro de las estrellas, midiendo cada gesto y cada paso.

Pero de repente el cuerpo del hombre osciló, rodaron pequeñas piedras. Él le gritó a la mujer:

– ¡Agárrame!

Pero ya el hombro de él se resbalaba de las manos de ella. Y la mujer gritó:

– ¡Agárrate al suelo!

Pero ninguna voz le respondió, pues en el gran silencio nítido y sonoro solo se oía el rodar de las piedras.

Ella estaba sola, vestida de terror, agarrada al suelo, frente al vacío.

– ¡Responde! – gritó, asomándose al abismo.

Lejos, el eco de su voz repitió:

– Responde.

Estaba tendida en la tierra, con las manos enterradas en la tierra, y comenzó a gritar como quien está perdido en medio de un sueño. Después dejó de gritar y murmuró:

– Tengo que ir a buscarlo.

Siguió arrastrándose por el sendero, tanteando el suelo con las manos para hallar un paso por donde poder bajar para buscar al hombre. Pero no había ningún paso.

Entonces, intentó bajar por la propia vertiente del abismo. Agarrándose a las hierbas y a las raíces, se dejó resbalar a lo largo del precipicio. Pero sus pies no encontraban ningún apoyo en el que sujetarse. Pues la vertiente bajaba a pique, era una pared lisa de piedra desnuda.

– Tengo que volver al sendero – pensó la mujer – y tengo que buscar más adelante un paso.

Y, agarrada a las hierbas y a las raíces, se irguió hasta el sendero.

Pero el sendero había desaparecido. Ahora solo había un estrecho reborde donde ella no cabía, donde ni sus pies cabían. Un reborde sin salida. Allí se quedó, de lado, con un pie delante del otro, con el lado derecho de su cuerpo pegado a la piedra del acantilado y el lado izquierdo ya bañado por la respiración fría y ronca del abismo. Sentía que las hierbas y las raíces a las que se agarraba cedían lentamente con el peso de su cuerpo. Comprendía que ahora era ella la que iba a caer en el abismo. Vio que, cuando las raíces se rompiesen, no podría agarrarse a nada, ni siquiera a sí misma. Pues ella misma era lo que ahora iba a perder.

Comprendió que le quedaban solo algunos momentos.

Entonces volvió la cara hacia el otro lado del abismo. Intentó ver a través de la oscuridad. Pero solo se veía oscuridad. Ella, sin embargo, pensó:

– Al otro lado del abismo hay seguramente alguien.

Y comenzó a llamar.

Histórias da Terra e do Mar: O Silêncio

1966, 1984

 

 

 

Era complicado. Primeiro deitou os restos de comida no caixote do lixo. Depois passou os pratos e os talheres por água corrente, debaixo da torneira. Depois mergulhou-os numa bacia com sabão e água quente e, com um esfregão, limpou tudo muito bem. Depois tornou a aquecer água e deitou-a no lava-loiças com duas medidas de Sonasol e de novo lavou pratos, colheres, garfos e facas. Em seguida passou a loiça e os talheres por água limpa e pô-los a escorrer na banca de pedra.

As suas mãos tinham ficado ásperas, estava cansada de estar de pé e doíam-lhe um pouco as costas. Mas sentia dentro de si uma grande limpeza, como se em vez de estar a lavar a loiça estivesse a lavar a sua alma.

A luz sem abat-jour da cozinha fazia brilhar os azulejos brancos. Lá fora, na doce noite de Verão, um cipreste ondulava brandamente.

O pão estava no cesto, a roupa na gaveta, os copos no armário. O vaivém, a agitação e o tumulto do dia repousavam.

Havia um grande sossego. Tudo estava arrumado e o dia estava pronto.

E Joana atravessou devagar a sua casa.

Ia abrindo e fechando as portas, abrindo e fechando as luzes. Os quartos desapareciam no escuro, e surgiam do escuro na claridade.

Um doce silêncio pairava como uma seda estendida.

O silêncio desenhava as paredes, cobria as mesas, emoldurava os retratos. O silêncio esculpia os volumes, recortava as linhas, aprofundava os espaços. Tudo era plástico e vibrante, denso da própria realidade. O silêncio, como um estremecer profundo, percorria a casa.

As coisas conhecidas – o muro, a porta, o espelho – mostravam uma por uma a sua beleza e a sua serenidade. E nas janelas abertas a noite de Junho mostrava o seu rosto constelado e suspenso.

Joana deu lentamente a volta à sala. Tocou o vidro, a cal, a madeira. Há muito já que cada coisa tinha encontrado ali o seu lugar. E era como se esse lugar, como se a relação entre a mesa, o espelho, a porta, fossem a expressão de uma ordem que ultrapassava a casa.

As coisas pareciam atentas. E a mulher que lavara a loiça procurava o centro dessa atenção. Sempre o procurara, mas quem o pode captar?

O silêncio agora era maior. Era como uma flor que tivesse desabrochado inteiramente e alisasse todas as suas pétalas.

E, em roda deste silêncio, os astros da noite exterior giravam lentamente, e o seu movimento impercetível tornava em si a ordem e o silêncio da casa.

Com as mãos tocando a parede branca, Joana respirou docemente. Era ali o seu reino, ali, na paz da contemplação nocturna. Da ordem e do silêncio do universo erguia-se uma infinita liberdade. Ela respirava essa liberdade, que era a lei da sua vida, o alimento do seu ser.

A paz que a cercava era aberta e transparente. A forma das coisas era uma grafia, uma escrita. Uma escrita que ela não entendia, mas reconhecia.

Atravessou a sala e debruçou-se na janela aberta, em frente do puro instante azul da noite.

As estrelas brilhavam, íntimas e distantes. E pareceu-lhe que entre ela e a casa e as estrelas fora estabelecida desde sempre uma aliança. Era como se o peso da sua consciência fosse necessário ao equilíbrio das constelações, como se uma intensa unidade atravessasse o universo inteiro.

E ela habitava essa unidade, estava presente e viva na relação das coisas, e a própria realidade atenta a abrigava em sua imensa e aguda presença.

No ar, na cal, no vidro, tocava a sua felicidade, e essa felicidade era, no seu centro, unidade.

Debruçou-se na janela e apoiou os braços na pedra fresca do parapeito.

Uma leve brisa agitou os ramos dos cedros. No rio, rouca, apitou uma sereia. Na torre, o sino bateu duas badaladas.

Foi então que se ouviu o grito.

Um longo grito agudo, desmedido. Um grito que atravessava as paredes, as portas, a sala, os ramos do cedro.

Joana virou-se, na janela. Houve uma pausa. Um pequeno momento imóvel, suspenso, hesitante. Mas logo novos gritos se ergueram, trespassando a noite. Estavam a gritar na rua, do outro lado da casa. Era uma voz de mulher. Uma voz nua, desgarrada, solitária. Uma voz que de grito em grito se ia desformando, desfigurando, até ficar transformada em uivo. Uivo rouco e cego. Depois a voz enfraqueceu, baixou, tomou um ritmo de soluço, um tom de lamentação. Mas logo voltou a crescer, com fúria, raiva, desespero, violência.

Na paz da noite, de cima a baixo, os gritos abriram uma grande fenda, uma ferida. E assim como a água começa a invadir o interior enxuto quando se abre um rombo no casco de um navio, assim agora, pela fenda que os gritos tinham aberto, o terror, a desordem, a divisão, o pânico penetravam no interior da casa, do mundo, da noite.

Joana afastou-se da janela que dava para o jardim, atravessou a sala, o corredor e o quarto e, no outro lado da casa, debruçou-se na janela que dava para a rua.

A mulher via-se mal, agarrada à parede, na meia-luz, do outro lado do passeio. Os seus gritos nus, próximos, desmedidos enchiam a penumbra. Na sua voz, a terra e a vida tinham despido os seus véus, o seu pudor e mostravam o seu abismo, revelavam a sua desordem, a sua treva. De uma ponta à outra da rua, os gritos corriam batendo contra as portas fechadas.

Era uma rua estreita, apertada entre edifícios sem cor, pesados e tristes. Ali a noite era cinzenta, o ar baço, parado e pegajoso.

Cães vadios farejavam o chão dos passeios e rebuscavam os caixotes do lixo, tentando agarrar, sob as tampas os restos, as cascas, o pescoço da galinha degolada.

O edifício enorme da prisão enchia todo o lado esquerdo da rua, com as altas paredes cortadas por pequenas janelas de grades. A essa parede estava encostada a mulher. Às vezes erguia a cara, e então via-se o rosto torcido e desfigurado pelo grito. Ao seu lado, desenhava-se o vulto de um homem.

Era tarde. As portas e as janelas estavam fechadas sobre gente adormecida, e na rua não passava mais ninguém. Só de longe a longe se ouvia um chiar de carros na viragem das esquinas.

O homem procurava arrastar a mulher e, quando os gritos diminuíam um instante, implorava-lhe que se calasse, pedia:

– Vamos embora.

Mas ela não o ouvia. Gritava como se estivesse só no mundo, como se tivesse ultrapassado toda a companhia e toda a razão e tivesse encontrado a pura solidão. Gritava contra as paredes, contra as pedras, contra a sombra da noite. Erguia a sua voz como se a arrancasse do chão, como se o seu desespero e a sua dor brotassem do próprio chão que a suportava. Erguia a sua voz como se quisesse atingir com ela os confins do universo e, aí, tocar alguém, acordar alguém, obrigar alguém a responder. Gritava contra o silêncio.

Às vezes calava-se um momento e inclinava a cabeça para trás, como quem espera ouvir uma resposta.

Então, de novo, o homem implorava:

– Cala-te, cala-te. Vamos embora daqui.

Mas ela recomeçava a gritar e batia com os punhos na parede da prisão, como se quisesse forçar a pedra a responder. Gritava como se quisesse atingir um ausente, acordar um adormecido, abalar uma consciência impassível e alheada, tocar o coração de um morto.

Através das paredes, das portas, das ruas, da cidade, gritava para o fundo do universo, para o fundo do espaço, para o fundo da ocultação da noite, para o fundo do silêncio.

De repente calou-se, curvou a cabeça, tapou o rosto com as mãos. Então o homem cobriu-lhe os cabelos com o xaile, afastou-a da parede, passou-lhe um braço em roda dos ombros, e, devagar, juntos, desceram a rua e viraram a esquina.

Durante algum tempo flutuou no ar pesado da rua um eco de soluços e de passos que se afastavam e diminuíam. Depois voltou o silêncio.

Um silêncio opaco e sinistro, onde se ouvia o esgaravatar dos cães.

Joana voltou para a sala. Tudo agora, desde o fogo da estrela até ao brilho polido da mesa, se tinha tornado desconhecido. Tudo se tinha tornado acidente absurdo, sem ligação, sem reino. As coisas não eram dela, nem eram ela, nem estavam com ela. Tudo se tornara alheio, tudo se tornara ruína irreconhecível.

E, tocando sem os sentir o vidro, a madeira, a cal, Joana atravessou como estrangeira a sua casa.

1966

Historias de la Tierra y del Mar: El silencio

Versión 25 de agosto de 2014

Texto original y versión española publicados
con la autorización de los herederos de la autora.

 

Era complicado. Primero echó los restos de la comida en el cubo de la basura. Después enjuagó los platos y los cubiertos con agua corriente bajo el grifo. Después los sumergió en un barreño con jabón y agua caliente y, con un estropajo, lo lavó todo muy bien. Después volvió a calentar agua y la echó en el fregadero con dos medidas de Sonasol y de nuevo lavó platos, cucharas, tenedores y cuchillos. Enseguida, enjuagó la loza y los cubiertos con agua limpia y los puso a escurrir en la encimera de piedra.

Sus manos se habían quedado ásperas, estaba cansada de estar de pie y le dolía un poco la espalda. Pero sentía dentro de sí una gran limpieza, como si en vez de estar lavando la loza estuviera lavando su alma.

La luz sin pantalla de la cocina hacía que brillaran los azulejos. Fuera, en la dulce noche de verano, un ciprés se mecía dulcemente.

El pan estaba en el cesto, la ropa en el cajón, los vasos en el armario. El vaivén, la agitación y el tumulto del día descansaban.

Había un gran sosiego. Todo estaba ordenado y el día estaba preparado.

Y Joana atravesó despacio su casa.

Iba abriendo y cerrando puertas, abriendo y cerrando luces. Los cuartos desaparecían en la oscuridad, y surgían de la oscuridad en la claridad.

Un dulce silencio flotaba como seda extendida.

El silencio dibujaba las paredes, cubría las mesas, enmarcaba los retratos. El silencio esculpía los volúmenes, recortaba las líneas, profundizaba los espacios. Todo era plástico y vibrante, denso de su propia realidad. El silencio, como un estremecimiento profundo, recorría la casa.

Las cosas conocidas – el muro, la puerta, el espejo – mostraban una tras otra su belleza y su serenidad. Y en las ventanas abiertas, la noche de junio mostraba su rostro constelado y suspendido.

Joana dio lentamente la vuelta a la sala. Tocó el cristal, la cal, la madera. Hacía mucho ya que cada cosa había encontrado allí su lugar. Y era como si ese lugar, como si la relación entre la mesa, el espejo, la puerta, fueran la expresión de un orden que rebasara la casa.

Las cosas parecían atentas. Y la mujer que había lavado la loza buscaba el centro de esa atención. Siempre lo había buscado, pero ¿quién puede captarlo?

El silencio ahora era mayor. Era como una flor que se hubiera abierto completamente y alisara todos sus pétalos.

Y, alrededor de este silencio, los astros de la noche exterior giraban lentamente, y su movimiento imperceptible volvía en sí el orden y el silencio de la casa.

Con las manos tocando la pared blanca, Joana respiró dulcemente. Estaba allí su reino, allí, en la paz de la contemplación nocturna. Del orden y del silencio del universo se levantaba una infinita libertad. Ella respiraba esa libertad, que era la ley de su vida, el alimento de su ser.

La paz que la cercaba era abierta y transparente. La forma de las cosas era una grafía, un escrito. Un escrito que ella no entendía, pero reconocía.

Atravesó la sala y se asomó a la ventana abierta, frente al puro instante azul de la noche.

Las estrellas brillaban, íntimas y distantes. Y le pareció que entre ella y la casa y las estrellas se había establecido desde siempre una alianza. Era como si el peso de su conciencia fuera necesario para el equilibrio de las constelaciones, como si una intensa unidad atravesara el universo entero.

Y ella habitaba esa unidad, estaba presente y viva en la relación de las cosas, y la propia realidad atenta la abrigaba en su inmensa y aguda presencia.

En el aire, en la cal, en el cristal tocaba su felicidad, y esa felicidad era, en su centro, unidad.

Se asomó a la ventana y apoyó los brazos en la piedra fresca del alféizar.

Una leve brisa agitó las ramas de los cedros. En el río, ronca, sonó una sirena. En la torre, la campana dio dos toques.

Fue entonces cuando se oyó el grito.

Un largo grito agudo, desmedido. Un grito que atravesaba las paredes, las puertas, la sala, las ramas de los cedros.

Joana se giró en la ventana. Hubo una pausa. Un pequeño momento inmóvil, suspendido, dudoso. Pero luego nuevos gritos se levantaron, traspasando la noche. Estaban gritando en la calle, al otro lado de la casa. Era una voz de mujer. Una voz desnuda, desgarrada, solitaria. Una voz que de grito en grito se iba deformando, desfigurando, hasta quedar transformada en aullido. Aullido ronco y ciego. Después la voz enflaqueció, bajó, tomó un ritmo de sollozo, un tono de lamento. Pero luego volvió a crecer, con furia, rabia, desesperación, violencia.

En la paz de la noche, de arriba abajo, los gritos abrieron una gran hendidura, una herida. Y así como el agua comienza a invadir el interior enjuto cuando se abre una grieta en el casco de un barco, así, ahora, por la hendidura que los gritos habían abierto, el terror, el desorden, la división, el pánico penetraban en el interior de la casa, del mundo, de la noche.

Joana se apartó de la ventana que daba al jardín, atravesó la sala, el corredor y el cuarto y, al otro lado de la casa, se asomó a la ventana que daba a la calle.

La mujer se veía mal, pegada a la pared, en la media luz, al otro lado del paseo. Sus gritos desnudos, próximos, desmedidos llenaban la penumbra. En su voz, la tierra y la vida se habían quitado sus velos, su pudor, y mostraban su abismo, revelaban su desorden, sus tinieblas. De una punta a otra de la calle, los gritos corrían golpeándose contra las puertas cerradas.

Era una calle estrecha, apretada entre edificios sin color, pesados y tristes. Allí la noche era gris, el aire empañado, parado y pegajoso.

Perros vagabundos husmeaban el suelo de los paseos y rebuscaban en los contenedores de basura intentando coger, bajo las tapas, los restos, las cáscaras, el pescuezo de la gallina degollada.

El edificio enorme de la prisión llenaba todo el lado izquierdo de la calle, con las altas paredes recortadas por pequeñas ventanas de rejas. En esa pared estaba apoyada la mujer. A veces levantaba la cara, y entonces se veía el rostro torcido y desfigurado por el grito. A su lado, se dibujaba el bulto de un hombre.

Era tarde. Las puertas y las ventanas estaban cerradas sobre gente dormida, y por la calle no pasaba nadie más. Solo de vez en cuando se oía un rechinar de coches al volver las esquinas.

El hombre procuraba arrastrar a la mujer y, cuando los gritos disminuían un instante, le imploraba que se callara, le pedía:

– Vámonos.

Pero ella no lo oía. Gritaba como si estuviera sola en el mundo, como si hubiera rebasado toda la compañía y toda la razón, y hubiera encontrado la pura soledad. Gritaba contra las paredes, contra las piedras, contra la sombra de la noche. Levantaba su voz como si la arrancara del suelo, como si su desesperación y su dolor brotaran del propio suelo que la soportaba. Levantaba su voz como si quisiera alcanzar con ella los confines del universo y, allí, tocar a alguien, despertar a alguien, obligar a alguien a responder. Gritaba contra el silencio.

A veces se callaba un momento y echaba la cabeza hacia atrás como quien espera oír una respuesta.

Entonces, de nuevo, el hombre imploraba:

– Cállate, cállate. Vámonos de aquí.

Pero ella volvía a gritar y golpeaba con los puños la pared de la prisión, como si quisiera forzar la piedra para que respondiera. Gritaba como si quisiera alcanzar a un ausente, despertar a un dormido, sacudir una conciencia impasible y enajenada, tocar el corazón de un muerto.

A través de las paredes, de las puertas, de las calles, de la ciudad, gritaba hacia el fondo del universo, hacia el fondo del espacio, hacia el fondo de la ocultación de la noche, hacia el fondo del silencio.

De repente se calló, inclinó la cabeza, se ocultó el rostro entre las manos. Entonces, el hombre le cubrió los cabellos con el chal, la apartó de la pared, le pasó un brazo alrededor de los hombros y, despacio, juntos, bajaron la calle y volvieron la esquina.

Durante algún tiempo flotó en el aire pesado de la calle un eco de sollozos y de pasos que se alejaban y disminuían. Después volvió el silencio.

Un silencio opaco y siniestro, en el que se oía escarbar a los perros.

Joana volvió a la sala. Todo ahora, desde el fuego de la estrella hasta el brillo terso de la mesa, se había vuelto desconocido. Todo se había vuelto un accidente absurdo, sin relación, sin reino. Las cosas no eran de ella, ni eran ella, ni estaban con ella. Todo se había vuelto ajeno, todo se había vuelto una ruina irreconocible.

Y, tocando, sin sentirlos, el cristal, la madera, la cal, Joana atravesó como una extranjera su casa.

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